Dom Paulo Evaristo Arns

    (Forquilhinha/SC, 14 de setembro de 1921 – São Paulo/SP, 14 de dezembro de 2016)

    “Qualquer coisa que se diga parecerá
    pequena e insuficiente para dizer
    quem foi dom Paulo Evaristo Arns,
    cardeal arcebispo de São Paulo”.
    (Ricardo Kotscho em Coragem!,
    no blog Balaio do Kotscho)
     
     
    Paulo Evaristo Arns nasceu em Forquilhinha (SC), em 14 de setembro de 1921. Após o curso primário entrou na Ordem dos Frades Menores, de Rio Negro (PR). Fez o noviciado em Rodeio (SC). Formou-se em Filosofia em Curitiba (PR), em 1943, e em Teologia, em Petrópolis (RJ), no ano de 1947. Licenciou-se em Letras na Universidade de Paris (Sorbonne/França), em 1950, em Pedagogia no Instituto de Pedagogia de Paris, em 1952, e em Literatura Antiga no Instituto de Altos Estudos, ainda em Paris, em 1952. Entre 1948 e 1950 fez estágios na Alemanha, na Inglaterra, na Bélgica, nos Estados Unidos e no Canadá. Doutorou-se em Letras na Sorbonne, em 1952, com a distinção maior. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa em Direito da Universidade de Notre Dame, de Indiana (EUA), em 1977, e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PucGO), de Goiânia (GO), em 1998.
     
    Seu primeiro texto jornalístico foi publicado no jornal Juventude Seráfica (PR), em 1934, quando tinha 13 anos. Naquele ano tornou-se redator-chefe da publicação, responsável pela única edição que circulou entre os estudantes da seminário menor dos franciscanos.
     
    Registrou-se na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) na década de 1950, dono da carteira número 0309, matrícula 0839, assinada por Barbosa Lima Sobrinho (1897–2000). Era, então, professor de Didática Geral da Faculdade de Filosofia de Petrópolis e fez a inscrição para poder dirigir algumas revistas católicas no Rio de Janeiro (RJ), entre elas a Grande Sinal e a Comunicação Internacional Cristã (CIC).
     
    Diversas vezes, em sua vida, atuou como jornalista, embora sempre destacasse que apenas como “não-profissional”, mas devidamente registrado na 14ª Delegacia Regional do Trabalho, do Rio. Exerceu a prática entre 1961 e 1966. Continuou a fazê-lo em São Paulo (SP), entre 1966 e 1976, após ser nomeado bispo auxiliar de dom Agnelo Rossi (1913–1995). Foi um dos diretores responsáveis pelo jornal O São Paulo, semanário da Arquidiocese, de 1968 a 1970. Atuando como vigário episcopal da Região Norte da cidade, criou a Missão do Povo de Deus para auxiliar no trabalho de evangelização, formando comunidades eclesiais de base (CEBs) e multiplicando grupos de rua. Acompanhou o episódio dos seminaristas dominicanos que foram presos pelos militares porque ajudavam universitários contra a ditadura e passou a defendê-los. Foi um dos sócios-fundadores da nova TV Cultura, em 1969, mantida pela Fundação Padre Anchieta.
     
    Tornou-se o quinto arcebispo metropolitano de São Paulo em outubro de 1970 e grão-chanceler da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PucSP) e da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção. Em janeiro de 1971, denunciou a prisão e tortura de dois agentes de pastoral, o padre Giulio Vicini e a leiga Yara Spadini. Apoiou dom Hélder Câmara (1909–1998) e dom Waldyr Calheiros (1923–2013), que na época estavam sendo duramente pressionados pelo regime militar. Como revide, sofreu a implantação da censura ditatorial sobre o jornal O São Paulo, que em seus editoriais começava a avaliar melhor a relação da Igreja com o Estado.
     
    Em 1972 participou da elaboração do documento Testemunha da Paz, o primeiro da Igreja sobre os Direitos Humanos. Criou a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese, responsável por anotar pormenorizadamente todos os fatos relativos à prisão de opositores políticos ao regime vigente, transfomando-a em associação civil quando esta começou a receber pressões do governo e de dentro da própria Igreja.
     
    Já investido como cardeal de São Paulo, desde março de 1973, teve fechada a rádio Nove de Julho (SP), também da Arquidiocese. Abriu as portas da Catedral da Sé para uma missa em memória do estudante Alexandre Vannuchi Leme (1959–1973), aluno de Geologia da Universidade de São Paulo, que havia sido torturado e morto em dependências do Exército. Participou do lançamento, com o reverendo Jaime Wright (1927-1999), da Igreja Prebiteriana Unida do Brasil, da primeira edição do folheto ecumênico sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi à Brasília (DF), em 1974, se encontrar com o general Golbery do Couto e Silva (1911–1987), acompanhado de familiares de presos políticos, para lhe entregar um dossiê sobre 22 casos de desaparecimentos políticos no País.
     
    Começou então a divulgar apelos em prol da anistia política. Em outubro de 1975, foi um dos comandantes do culto ecumênico em memória do jornalista Vladimir Herzog (1937–1975) – judeu –, que reuniu cerca de 8 mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo, e repercutiu nacional e internacionalmente, sendo considerado o primeiro grande protesto contra a ditadura após a promulgação do Ato Institucional nº 5. Foi homenageado pela ABI como Jornalista Militante, em maio de 1976. Teve a PucSP invadida pela polícia paulista comandada pelo então secretário de Segurança Pública do Estado coronel Erasmo Dias (1924–2010), que voltou a ameaçar a universidade em 1978, quando da realização da Semana dos Direitos Humanos.
     
    Presidiu, em outubro de 1979 os eventos religiosos relacionados ao enterro de Santo Dias da Silva (1942-1979), operário morto durante a greve dos metalúrgicos do ABC, que também era agente de pastoral da Arquidiocese de São Paulo. Novamente colaborou para nova manifestação popular nas ruas do centro de São Paulo. Sua influência na América Latina cresceu enormemente no período, principalmente após a criação do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos nos Países do Cone Sul (Clamor) e seus encontros com o presidente americano Jimmy Carter.
     
    Acompanhou o papa João Paulo 2º (1920–2005) em sua visita ao Brasil, em 1980. Participou do movimento pelas Diretas Já. Foi membro-fundador da Comissão Independente Internacional das Nações Unidas para Questões Humanitárias, em dezembro de 1981. Conquistou o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos, do Instituto de Estudos Políticos de Washington (EUA), em 1982.
     
    Foi distinguido com a Medalha Nansen do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), no Palácio das Nações, em Genebra (Suíça), em 1985. Com o apoio do Conselho Mundial das Igrejas, lançou o projeto Brasil: Nunca Mais, coordenado pelo reverendo Jaime Wright, que reuniu informações sobre o uso institucionalizado da tortura no País entre 1964 e 1985. Ajudou a fundar, em 1986, a Agência Ecumênica de Notícias (Agen). Recebeu o título de Comendador da Legião de Honra do governo francês, em 1987.
     
    Em 1989, sofreu um duro golpe: viu o Vaticano dividir o território da Arquidiocese de São Paulo em quatro, ordenando novos bispos, considerados conservadores, para ocupá-los. Mas não perdeu o reconhecimento. Recebeu o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano (1990), por seu livro Clamor do Povo Pela Paz (Paulinas, 1989). Ecumenista, celebrou culto religioso com dom Robert Runcie (1921–2000), arcebispo anglicano da Cantuária, em 1990, e encontrou-se com o dalai lama Tenzin Gyatso, em 1992, na Catedral da Sé. Conquistou o Prêmio Niwano da Paz, concedido pelo governo japonês, em 1994, mesmo ano em que voltou a ser homenageado pela ABI, desta vez com o título de Sócio Remido Honra ao Mérito.
     
    Recebeu, em julho de 1996, do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a assinatura de decreto declarando nulo o ato de perempção da rádio Nove de Julho, de 1973. Em maio de 1998 tornou-se arcebispo emérito de São Paulo e entregou o comando da arquidiocese para dom Claúdio Hummes. Continuou a produzir programas radiofônicos e a escrever artigos para jornais até quase o fim da vida.
     
    Ficou debilitado em 2005, quando teve um infarte. No mesmo ano fez uma cirurgia para redução da próstata. Foi visitado pelo papa Bento 16 quando este esteve no Brasil, em 2007. Sofreu duro golpe em janeiro de 2010, quando perdeu a irmã Zilda Arns Neumann (1934–2010), médica pediatra e sanitarista, vítima de um terremoto em Porto Príncipe (Haiti), onde encontrava-se em missão humanitária.
     
    Faleceu em São Paulo, no dia 14 de dezembro de 2016, devido a problemas renais. Foi sepultado na cripta da Catedral da Sé, ao lado de 11 bispos, dois arcebispos, do cacique Martim Afonso Tibiriçá – um dos fundadores da capital paulista, catequizado por jesuítas, morto em 1562 –, do regente Diogo Antônio Feijó (1784–1843) e do padre Bartolomeu de Gusmão (1685–1724).
     
    Era torcedor fanático do Sport Clube Corinthians Paulista, equipe de futebol ao qual dedicou o livro Corintiano, Graças a Deus! (Planeta, 2004).
     
     
    Atualizado em dezembro de 2016
     
    Fontes: