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quinta-feira, abril 18, 2024

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Memórias da Redação ? Luta armada

Esta história foi reproduzida do livro As duas guerras de Vlado Herzog, de Audálio Dantas (págs. 81 a 83), por sugestão de um de seus protagonistas, Sérgio Gomes da Silva, diretor da Oboré – o outro é Marcelo Bairão, que trabalha na Subsecretaria de Comunicação do Governo do Estado de São Paulo. Luta armada             [no final dos anos 1960 e início dos 1970] O pessoal do Partidão [Partido Comunista Brasileiro] na ECA [Escola de Comunicação e Artes da USP] insistia nessa linha [de resistência à ditadura por meio de um amplo movimento, com o apoio de diversos setores da sociedade, mas sem partir para o confronto], contrariando o que considerava inconsequência de “esquerdinha”. Sérgio Gomes da Silva, o Serjão, representava a ECA no Conselho de Centros Acadêmicos da USP, onde gastou o mandato inteiro a defender, sem sucesso, uma política ampla de construção de uma frente única para derrotar a ditadura. Quando propôs uma aproximação com Dom Paulo Evaristo Arns, a resposta foi um sonoro “não”. Aliança com a Igreja, tudo bem, mas nela não havia lugar para o cardeal de São Paulo, que não passava de um “burguês centrista”. A proposta para a criação de uma publicação para divulgação do movimento estudantil também não passou. Qualquer publicação legal, diziam, teria de ter aval da ditadura; só a imprensa clandestina poderia ser considerada livre. Quanto á participação no processo eleitoral no Sindicato dos Jornalistas, nem pensar. Os sindicatos estavam nas mãos de pelegos que viviam de braços dados com a ditadura. Além do mais, os movimentos de extrema esquerda estavam empenhados na campanha do voto nulo.             Serjão não desistia. Agarrava-se a uma lição que recebera nos tempos do movimento secundarista no Colégio Alberto Conte: não se faz revolução sem povo. A lição fora dada com muita simplicidade e clareza por Virgínia Artigas, mulher do arquiteto Vila Nova Artigas, em cuja casa, no bairro do Campo Belo, um grupo de estudantes costumava se reunir para discutir política. Virgínia, de parca educação formal, acumulava, contudo, muito conhecimento e sabedoria.             Antes do AI-5, os meninos do Alberto Conte, entre os quais Serjão e Marcelo Bairão, participavam do jornal do grêmio, o Oboré, organizando greves e passeatas, mas não iam muito além disso. Indagavam-se sobre o que mais fazer, começavam a pensar em novos caminhos. Pensavam até em aderir à luta armada. A turma andava dispersa, cada um para um lado. Alguns procuraram os grupos organizados de extrema  esquerda, chegaram à VAR-Palmares(1) e ao PCdoB(2). Õuviram que a VAR-Palmares estava recrutando gente para treinar guerrilha em Mato Grosso. Só que, além da disposição, os candidatos tinha de dispor de boa quantia em dinheiro para despesas de transporte, alimentação e outras, como o próprio treinamento, que era dado por “especialista em luta armada”. Os meninos não tinham dinheiro para tanto, mas mesmo assim conseguiram alguns recursos, tomaram as providências necessárias para a viagem e foram dar a notícia a Virgínia Artigas.             – Dona Virgínia, a gente veio se despedir. Estamos indo pra luta armada.             – Luta armada? O que levou vocês a essa decisão?             – É preciso derrubar a ditadura.             – Só isso? E depois, a conquista da democracia?             – Mais do que isso. Democracia, socialismo, justiça social.             – Socialismo, é? E vocês acham que é possível chegar ao socialismo sem o povo?             – Não, mas é que a gente não aguenta mais…             – Esperem aí! Vocês consultaram o povo? Se o povo for junto, vai ser uma beleza, Serão milhões na luta para derrubar a ditadura.             – Mas que milhões… Esses milhões não chegam nunca.             – Então vocês acham que resolvem a parada sozinhos, sem o povo?             A conversa foi por aí até que os meninos pararam um pouco para pensar. Os que estavam dispostos a partir para a luta armada cabiam no jipe que Serjão tinha ganhado do pai, modesto hoteleiro na região das estações ferroviárias, como prêmio por haver passado nas provas do vestibular. Resolveram dar uma volta para esfriar a cabeça. Já era tarde da noite quando foram para o Alto do Morumbi, de onde podiam avistar boa parte da cidade. Dava para distinguir, sobre o rio Pinheiros, as instalações da companhia distribuidora de energia elétrica. Apesar da lição recebida de Virgínia Artigas, os ânimos revolucionários não tinham arrefecido de todo. Os meninos ainda bolavam planos que imaginavam capazes de, se não derrubar, abalar a ditadura. Um deles – brincou Serjão – seria jogar uma bomba na distribuidora de energia. “Isso é coisa de anarquista”, respondeu Bairão. E como realizar um plano daquele tamanho? Era coisa impossível, tanto quanto a tentativa frustrada de embarcar para a luta armada no Mato Grosso. Serjão concordou:             – É, não vai dar não. Mas ia ser um puta blecaute!             Tempos depois, em 1972, os meninos estavam empenhados num movimento que se decidiria pelo voto. Haveria logo adiante uma eleição no Sindicato dos Jornalistas. Eles não podiam votar, mas decidiram participar da campanha. (1) Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, fundada em 1969. A presidente da República, Dilma Rousseff, foi militante dessa organização. (2) Partido Comunista do Brasil, primeira dissidência do PCB, em 1962. Leia mais:  + Memórias da Redação – A mulher proibida de escrever + Memórias da Redação – Ein Hürensohn! + Memórias da redação – Desbaratino

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