Mas, para José Hamilton Ribeiro, “ainda há uma visão romântica sobre correspondentes de guerra”
Completam-se nesta terça-feira (20/3) 50 anos que o repórter José Hamilton Ribeiro perdeu parte da perna esquerda ao pisar numa mina quando cobria a Guerra do Vietnã (1954-1975) pela extinta revista Realidade. Aos 82 anos, em plena atividade como repórter especial da TV Globo, disse em entrevista ao Portal dos Jornalistas que, se pudesse voltar no tempo e não soubesse o que aconteceria, nas mesmas condições não deixaria de ir. Ressaltou que a presença de jornalistas numa guerra é importante como testemunha e para denunciar brutalidades, mas que ainda se tem uma visão romântica sobre a atividade dos correspondentes de guerra. Confira a íntegra:
Portal dos Jornalistas – Você foi para o Vietnã só por obrigação profissional ou quis ir?
José Hamilton Ribeiro – Soube tempos depois que havia uma lista com três indicados na redação e eu era o primeiro. Se não aceitasse consultariam os demais, pela ordem, e depois abririam para voluntários. Pedi um dia para pensar e consultar minha esposa, pois tinha uma filha pequena. Mas quis ir, sim.
Portal – Muita gente vai fazer você lembrar desse episódio. Preferia esquecer?
Zé Hamilton – É difícil esquecer, foi pessoalmente muito traumático. Além de tudo, há um interesse cíclico na Guerra do Vietnã, vira e mexe volta à tona. Foi a guerra quente da guerra fria, que marcou a até então única derrota da potência militar que são os Estados Unidos. Para os jornalistas era um prato cheio. A gente brincava que era o lugar onde havia mais manchetes por metro quadrado no mundo
Portal – Se pudesse voltar no tempo, faria algo diferente em relação ao episódio em que perdeu parte da perna?
Zé Hamilton – Claro que se soubesse o que ia acontecer evitaria aquela trilha. Mas não tinha como saber, era sempre um risco. Nas mesmas condições, não deixaria de ir. Isso me faz refletir sobre os motivos que levam um jornalista a ser correspondente de guerra. Acho que é um misto de vaidade, espírito de aventura, ambição profissional e um pouco de falta de juízo. Mas ele precisa ter vocação, pois é lá que estão as notícias. Ademais, a presença de jornalistas numa guerra é essencial, não apenas como testemunha da história, mas para denunciar violências, brutalidades. Está mais do que provado que a presença de jornalistas nos campos de batalha inibe excessos.
Portal – Acredita ter tirado alguma lição daquele incidente?
Zé Hamilton – Na vida, cada dia a gente aprende uma lição. Aprendi com aquilo e segui em frente. Como aprendi em diversas outras ocasiões.
Portal – Teria alguma dica a dar a quem pretende fazer cobertura de guerra?
Zé Hamilton – Creio que se romantiza muito a função de correspondente de guerra. Tenho percebido isso principalmente em estudantes. Mas se a pessoa quer e pode, precisa ter vocação e formação, preparar-se para fazer o melhor uso possível dos instrumentos e da tecnologia de que dispõe. E, claro, ter perfil que lhe permita enfrentar situações dificílimas, sempre apoiando os mais fracos, embora isso às vezes possa levar a equívocos. No caso do Vietnã, os vietcongues pareciam mais fracos, mas tinham assessoria, provisões e armamentos da União Soviética e a China de prontidão logo ao lado.
(N.daR.: veja também reportagem de Patrícia Campos Melo na Folha de S.Paulo de 17/3, que nos chamou a atenção para o transcurso da data)