Nora Gonzalez, gerente de Relações Públicas para a América Latina da Fico, volta a colaborar com este espaço trazendo os bastidores de um episódio que marcou para sempre a biografia do falecido presidente Itamar Franco. Como explicar o inexplicável? Era o carnaval de 1994 e a redação do Estadão estava, como sempre nesse tipo de feriado, meio às moscas, com praticamente a metade da equipe ? a outra metade folgaria na Semana Santa, num dos dois grandes feriados que tínhamos (os outros eram Natal e Ano Novo). Em São Paulo, naquele 14 de fevereiro, estávamos quase todos em função do fechamento de Cidades. As matérias analíticas, os pingue-pongues, o caderno de Economia, tudo já estava adiantado, aguardando apenas as fotos e os textos que viriam da sucursal do Rio. Nem jogo de futebol tem nesses dias para não atrapalhar as ? vá lá o clichê ?, festas momescas. Em clima de morgação (afinal, se no Brasil tudo começa depois do carnaval, o que iria acontecer numa redação de jornal durante o próprio?), era hora de colocar o papo em dia, somente esperando as fotos que viriam da Marquês de Sapucaí, que não deveriam ser muito diferentes daquelas publicadas em anos anteriores. Os destaques eram mais ou menos os mesmos e, em tempos pré-BBB, as personalidades e pseudopersonalidades eram também as mesmas de anos anteriores. Tudo muito previsível. Ou assim pensávamos, até que toca o telefone do Mesão. Era o pessoal da sucursal do Rio. O então presidente Itamar Franco (para os que não se lembram dele, aquele do topete) resolveu mostrar sua até então reservada vida particular em pleno camarote da Liga das Escolas de Samba do Rio. Ele estava ao lado de Lilian Ramos, que ficou conhecida como ?primeira dama de ocasião? e havia desfilado pouco antes como destaque da Viradouro, de tanga e com os seios à mostra, o que já não era pouco para uma acompanhante de presidente. Entre a dispersão e a aparição no camarote, apenas duas coisas diferenciavam a Lilian Ramos que estava ao lado do presidente daquela que havia desfilado: uma camiseta e… nada de tanga! E aí veio o momento de glória da neocelebridade, que levanta os braços, se abraça a Itamar e mostra… bem, tudo. Os fotógrafos estava postados bem abaixo do camarote, no nível do chão, e ela ali, bem acima deles… Alguns fotógrafos clicaram o inigualável momento, entre eles o do Estadão, que, rapidamente enviou as fotos ao prédio do bairro do Limão. Aí o pessoal da primeira página foi acometido de uma terrível dúvida: publicar ou não publicar? A Folha, pelo que me lembro, não tinha a foto, mas provavelmente a compraria de O Globo, que era o outro jornal que a tinha. Nenhum de nós achava que a Folha deixaria de publicar a foto. Mas, e nós? Carlinhos Oliveira decidiu ligar para o dr. Júlio [Mesquita Neto, proprietário do jornal], pois ninguém queria arcar com o peso de uma decisão daquelas. Eu só ouvi um lado da conversa, mas foi o suficiente para entender o contexto. Depois dos cumprimentos de praxe, hesitante, Carlinhos explicou que nosso fotógrafo tinha clicado a acompanhante do presidente da República, em pleno camarote, abraçada ao mandatário, com apenas uma camiseta e sandálias. Explicou que era apenas uma camiseta, mas diante da dúvida do outro lado, disse que não havia mais nada de roupa, mesmo e que, bem, dava para ver a …, a…, a …. Provavelmente tão surpreso como nós estava o dr. Júlio, conhecido pela sisudez. Carlinhos não teve opção exceto ser mais explícito e, baixando a voz, disse, finalmente: ?Bom, vamos dizer que dá para ver os grandes lábios?. Claro que o jornal não publicou a foto como fora tirada. Alguns veículos da imprensa a estamparam na primeira página, mas, seguindo as diretrizes do dr. Júlio, o Estadão não foi um deles. Impressionante, e divertida, foi a precisão do Carlinhos ao explicar o inexplicável ao dr. Júlio.