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terça-feira, novembro 26, 2024

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O adeus a Daniel Piza por Eleno Mendonça

Sobre a morte prematura de Daniel Piza, amigo pessoal e com quem trabalhou por muitos anos no Estadão, Eleno Mendonça, atualmente diretor de Comunicação da DPZ, presta a seguinte homenagem: Acabo de chegar do velório do Daniel Piza. Tem coisas na vida que a gente jamais quer escrever ou pronunciar por vontade própria. Uma delas foi essa frase. Conheci o Daniel em 1999. Era um momento de grande turbulência. Eu era editor de Economia do Estadão e o Aloysio Maranhão tinha acabado de cair, após conviver numa administração dupla com Antonio Marcos Pimenta Neves. Depois de uns seis meses prevaleceu politicamente o segundo e um dos seus primeiros atos foi trazer o Piza da Gazeta Mercantil para o Estadão. Havia entre os dois uma admiração mútua. Meses depois fui para a primeira página e mais alguns meses Pimenta resolveu montar uma estrutura mais gerencial para o jornal. Lourival Sant?Anna virou editor-chefe e surgiram quatro editores-executivos: José Maria Mayrink, Roberto Gazzi, Daniel Piza e eu. Demos muito duro nessa época para contornar situações muitas vezes patéticas e recheadas por desmandos e injustiças. Isso fortaleceu muito esse time. Eu e Daniel nos tornamos bons amigos desde o começo. O ?arroto de Crush?, como ele dizia que o chamavam quando criança, pelos cabelos ruivos, passou a ser simplesmente Pizza, outro apelido que detestava. Ficava irritado com as gozações, mas como sempre perco o amigo mas não a piada, seguia aporrinhando o Daniel. A gente almoçava junto e todo meio dia eu perguntava a ele: ?Vai lançar algum livro hoje à tarde??, numa referência à numerosa lavra do jovem autor. Mas ele também sempre dava o troco e toda a equipe se divertia. Adorava falar mal do Palmeiras, só para chatear a mim e ao Gazzi. Mas por vezes era como um menino inocente. Um dia chegou dizendo que tinha ido a uma quermesse e viu uma cena inusitada. No jogo de argolas o primeiro prêmio era seu livro Mundois e quem ficasse em segundo receberia um tubinho daqueles de assoprar e fazer bolinhas de sabão. O menino que ficou em primeiro lugar perguntou para o moço da barraca: posso trocar o livro pela bolinha de sabão? Caímos na gargalhada e não é preciso dizer que lembrávamos disso todo o tempo para alugar o Daniel. Pouco antes de Pimenta assassinar Sandra Gomide [N. da R.: em agosto de 2000], Daniel fez um livro e o convidou a assinar as orelhas. Depois do crime, em vias de lançar o livro, Daniel achou melhor romper relações com Pimenta e mandar cortar as orelhas já impressas. Era seu jeito de reprovar tudo aquilo, de mostrar o desconforto de ter seu nome tão próximo ao de um criminoso. Como dá para perceber, eram momentos turbulentos. As redações em constantes mudanças, o dólar nas alturas, os juros idem, os jornais sem contrapartida comercial e mandando demitir todos os meses. Para piorar nosso quadro houve o crime, que atingia o nome do jornal diretamente. Foi preciso muito esforço de todos os executivos para conduzir o processo, afastar o nome do Estadão do noticiário de polícia de todas as mídias e mostrar para a equipe que era preciso agir com serenidade, já que éramos o foco das atenções e tínhamos que dar a volta por cima. Daniel Piza, um jovem intelectual precoce, de ideias avançadas, bem ordenadas e bem formatadas por anos de estudo, boa formação e leituras, tinha uma escrita impecável e elegante, que atraía o interesse pelo conteúdo e temática. Inspirava-se no Paulo Francis, com quem tinha trabalhado nos tempos da Folha. Gostava de seu jeito e irreverência e muitas vezes procurava seguir o que faria o Francis. Era capaz de fazer um ensaio literário, criticar uma peça clássica e dez minutos depois escrever um artigo com toda malandragem do mundo, com linguagem das ruas, para defender Ronaldo Fenômeno, para ele o maior jogador de todos os tempos e que acabou virando seu amigo pessoal. Gordo? Nada disso, Ronaldo, nas avaliações ?isentas? de Daniel, estava forte. Daniel era assim: amigo, bem-humorado, inteligente. Amava o futebol, amava os livros, a música, as artes, a vida. Era um apaixonado declarado pela mulher Renata e pelos três filhos. Neste momento, se preparava para trabalhar nos Estados Unidos. Ele era advogado e um desses casos raros nos quais acho o diploma de jornalismo plenamente dispensável, embora defenda o diploma como norma para a manutenção do nível profissional. Daniel nasceu jornalista, tinha prazer em escrever, ler, fazer reportagem e, mais que tudo, era inquieto, como deve ter todo bom jornalista. Por isso era plural, fazia rádio, tevê, livros, traduções, blogs… Que fique entre os jovens o seu exemplo e entre os amigos a lembrança. N.R.: Piza faleceu na noite do último dia 30/12, aos 41 anos, após sofrer um AVC. Estava em Gonçalves (MG), onde passava as festas de fim de ano com a família. Chegou a ser socorrido pelo pai, que é médico, mas não resistiu. Paulistano, corintiano fanático, era colunista do Estadão, onde começou a carreira em 1991. Escrevia aos domingos no Caderno 2 e, desde 2004, assinava também uma coluna sobre futebol, além de manter um blog no portal estadão.com.br. Apresentou os programas Estadão no Ar e Direto da Redação na Rádio Estadão ESPN. Nos anos 1990, trabalhou nas editorias de Cultura de Estado, Folha de S.Paulo e Gazeta Mercantil, na cobertura de literatura e artes visuais. Em maio de 2000, retornou ao Estado como editor-executivo e colunista cultural. Era também advogado e escritor, com 17 livros publicados, entre eles Jornalismo Cultural (2003), a biografia Machado de Assis ? Um gênio brasileiro (2005), Aforismos sem Juízo (2008) e os contos de Noites Urbanas (2010). Traduziu títulos de autores como Herman Melville e Henry James, e organizou seis outros, nas áreas de jornalismo cultural e literatura brasileira. Fez também os roteiros dos documentários São Paulo ? Retratos do mundo e Um paraíso perdido ? Amazônia de Euclides. Segundo a Rádio Estadão-ESPN, ele já teria acertado com a direção do jornal para ser este ano uma espécie de repórter especial nos Estados Unidos, baseado em Nova York. Seu corpo foi enterrado na manhã deste domingo (1º/1), no Cemitério de Congonhas, em São Paulo. Deixou mulher, Renata Gonçalves Piza, e três filhos: Letícia, 14, Maria Clara, 10, e Bernardo, 6. (Com informações de O Estado de S.Paulo)

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