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domingo, novembro 24, 2024

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Economia, de mãe para filha

Desde criança desenhava em laudas e brincava com máquinas de escrever de Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil, enquanto sua mãe, jornalista, se esforçava na efervescente cobertura econômica da época, com o lançamento do Plano Cruzado. Com esse cenário, seria até difícil imaginar que Mariana Durão, repórter de Economia da Agência Estado, com passagens por Gazeta Mercantil, Jornal do Commercio (RJ), Exame e O Globo, não seguisse os passos de sua mãe no jornalismo.

Filha de Vera Saavedra Durão, repórter especial do Valor Econômico e que também atuou nas redações de O Globo e Jornal do Brasil, e sucursais fluminenses de Gazeta Mercantil e Folha de S.Paulo, Mariana bem que tentou outra carreira apesar de todo o envolvimento desde cedo com as redações. Formada em Direito pela Uerj, chegou inclusive a trabalhar na Procuradoria do Município do Rio de Janeiro, não sem antes ter tido sua primeira experiência no jornalismo. Pedi para conhecer o Fernando Horácio da Matta (falecido em 2003), que escrevia crônicas esportivas na Gazeta Mercantil, onde minha mãe trabalhava.

Ele era uma figura ímpar e foi logo me dando a missão de entrevistar ex-jogadores de basquete da seleção. Eu não tinha muita noção do que estava fazendo, mas entreguei um texto e ele publicou assinado. Daquele dia em diante virei estagiária da Gazeta?, conta Mariana. Sua mãe foi militante da clandestina VAR-Palmares, guerrilha política brasileira de extrema esquerda que combatia o regime militar, tendo chegado inclusive a ser presa no começo da década de 1970. Vera começou no jornalismo Econômico quase que por acidente, e pela necessidade de quem recém havia saído da prisão: “Fui ajudada na época pela Sueli Caldas, cujo marido estava preso junto com o meu, aqui no Rio.

Foi engraçado, pois ela trabalhava na pesquisa do JB e me arrumou um free-lancer sobre Trade Company. Eu, militante de esquerda, recém-saída da prisão, nem tinha ideia do que podia ser uma Trade Company, mas fiz o trabalho e ganhei na época o correspondente hoje a R$ 50”, afirma. Economia também não era a primeira opção de Mariana que, mesmo cursando Direito e estagiando num jornal especializado no assunto, sempre se identificou mais com Esportes, editoria para qual escrevia inicialmente na Gazeta. Porém, com o conhecimento adquirido na faculdade, sua mudança para cobrir segmentos ligados à legislação brasileira foi automática e natural. Após um convite do então editor do caderno de Legislação Gilberto Pauletti, caminhos de mãe e filha no jornalismo econômico finalmente se encontravam.

Em entrevista ao Portal dos Jornalistas, elas contam sobre essa relação no dia-a-dia da cobertura econômica, a troca de informações, os furos, os bate-papos nos momentos de folga e o convívio familiar.

Portal dos Jornalistas – Até que ponto a carreira bem sucedida da mãe no jornalismo econômico pesou nas decisões profissionais da filha?

Vera Saavedra Durão – Quando Mariana era pequena eu sempre a levava nos meus plantões e assim ela teve o primeiro contato com as redações. Com isso, ela conhecia também meus amigos jornalistas e acredito que sempre teve uma certa curiosidade em relação a esta profissão, já que frequentemente me ouvia falar das entrevistas que fazia, das viagens, dos fatos que tinha que cobrir, acho que isso a influenciou. Quando adolescente, era comum ela ler minhas matérias, e mesmo antes de se formar em direito apaixonou-se pelo jornalismo e começou a fazer algumas matérias esportivas lá na GZM. Ainda assim fiz questão de que ela terminasse o Direito antes de fazer Jornalismo. Mas sempre a adverti de que esta era uma profissão de “maluquete”, e ela me respondia: “Melhor maluquetes do que os chatos do Direito”. Tentei dar o alerta, mas não adiantou. O DNA falou mais alto.

Mariana Durão -” A culpa é toda dela, mas o fato de minha mãe ter uma carreira bem sucedida na área, apesar de alguma influência, não foi determinante para a minha escolha. Eu sempre achei o jornalismo uma profissão, apesar de sacrificante, também muito interessante. Minha mãe trabalhava muito e chegava tarde todos os dias. Ela é uma excelente repórter, perspicaz, com faro para a notícia, uma disposição invejável (é workaholic mesmo) e atenta ao que se passa no mundo. Apesar de todos os sacrifícios pessoais sempre a vi como uma pessoa realizada na carreira e com uma missão muito importante. Mas, na verdade, nunca me senti advogada e sempre fiquei mais à vontade no jornalismo, livre do “terno e gravata”.

PJ – Como é o dia a dia e a relação profissional entre vocês?

Vera – É muito legal a gente ter um filho que segue a nossa carreira, mas também dá um certo estresse, pois você torce para ele ser tão bem sucedido quanto você. Felizmente, a Mariana é muito competente e tem recebido bons convites. Eu até gostaria que ela trabalhasse comigo no Valor, mas infelizmente isto é impossível, porque o jornal não emprega parentes. Mas no começo era bastante engraçado, a Mariana me solicitava muito, mas não gostava que eu falasse para as fontes que ela era minha filha. Coincidência ou não, elas sempre lhe faziam essa pergunta e ela ficava “tiririca”. Achava que isso a obrigava a ser como eu, uma jornalista sênior.

Mariana – No início da carreira eu me sentia um pouco intimidada com o peso de ser filha da Vera Durão. Era um pouco estranho quando nos encontrávamos na rua durante as coberturas. Aos poucos fomos acertando a mão e acho que a relação hoje é bem tranquila. Considero um privilégio trocar ideias com ela sobre o que está acontecendo e aprender com a sua experiência nas coberturas, sempre dentro dos limites profissionais. Hoje já não temos mais tanto contato, pois trabalhamos em locais diferentes, mas até há pouco tempo nos encontrávamos no bandejão do prédio do Globo (onde fica o Valor também) e era engraçado.

Vera – Quando ela estava aqui no Globo eu ia visitá-la na redação e todo mundo ficava olhando. Eu brincava com os coleguinhas : “Vim lamber a cria”.

PJ – É comum o encontro entre vocês duas nas coberturas?

Vera – Acontecia bastante na época em que cobríamos o BNDES. Hoje é mais raro, pois ela está no Estadão cobrindo uma área diferente. Para mim é melhor. Quando ela me furava, em algumas coberturas de mineração e siderurgia, eu me sentia meio constrangida, apesar de orgulhosa. As fontes chegavam a brincar comigo quando isso acontecia. Quando ela levava um furo meu, também ficava nervosa, apesar de que sempre tirava de letra.

Mariana – Nessa época em que cobríamos BNDES também tivemos alguns episódios bem engraçados. Uma vez, lá no banco, pegamos o elevador com outros coleguinhas e sem querer, de repente eu soltei um “manhê!”. Foi aquele silêncio e em seguida a Cássia Almeida, de O Globo, perguntou: “Meu Deus! Quem está chamando a mãe aqui”.

Vera – Quando a Mariana falou ” sou eu” , todo mundo começou a rir.

PJ – Como funciona entre vocês a questão da troca de informações?

Vera – “Chinese Walls”, como dizem no mercado financeiro. Às vezes a gente troca algumas fontes, mas nada de informações. Cada uma apura sem falar para a outra o que está fazendo. Só comentamos depois de a matéria ter saído. É um acordo tácito entre nós.

Mariana – Trabalhamos para veículos concorrentes e atuamos na mesma área, então é preciso separar bem as coisas. É como diz o ditado “amigos, amigos, negócios à parte”. Lembro que no Jornal do Commercio estava apurando uma matéria e ela publicou dias antes. Na hora fui falar com a Jô Galazi, minha chefe na época: “Fui furada pela minha própria mãe!”.

PJ – E fora do expediente de trabalho, no convívio familiar, o assunto ,economia, é recorrente?

Vera – É inevitável quando a gente se encontra, mas tentamos não ser “chatas”, pois o meu marido logo nos adverte: “Reunião de pauta, aqui, não”. Mas. na verdade, ele também sempre entra na conversa conosco e gosta de sugerir algumas pautas, todas muito legais. Acho isso muito engraçado.

Mariana – É quase inevitável porque é um assunto que nos interessa, e é comum, mas não vai além do saudável. Economia é um tema como tantos outros na família: política, cinema, viagens. O que vale mesmo é o debate.

PJ – Vocês se espelham (ou espelharam) em alguém em suas carreiras?

Vera – Ninguém em especial. Tenho admiração pelo Alberto Dines, que foi meu chefe na Folha, Samuel Wainer, Matías Molina e Paulo Totti, que considero meu guru. Optei pelo jornalismo porque sempre gostei de escrever, desde pequenina. E não me arrependo. É uma profissão fascinante!

Mariana – A Vera Durão certamente é uma referência no jornalismo econômico. Também admiro a Flávia Oliveira, com quem trabalhei nos últimos anos e é uma profissional que enxerga bem além dos números da economia. A Ramona Ordonez, do Globo, sabe tudo de petróleo e não se furta a ensinar os “não iniciados” no setor. Também admirava muito o trabalho do José Meirelles Passos, repórter de O Globo que foi correspondente em Washington e faleceu no ano passado.

Em tempo , Além de Mariana, Vera também é mãe de Carolina Durão que, apesar de não ser jornalista, também seguiu na área de comunicação. Formada em Cinema pela Universidade Federal Fluminense, ela atuou como assistente de Direção dos filmes A Alegria (de Felipe Bragança e Marina Meliande), Sala de Espera (de Lucia Murat), Tatuagem (de Hilton Lacerda) e Agamenon (de Victor Lopes), que, coincidência ou não, conta a história de um jornalista, o personagem fictício Agamenon Mendes Pedreira, criado há mais de 20 anos pelos humoristas Marcelo Madureira e Hubert. Seu marido, tantas vezes citado na entrevista, é Jorge Eduardo Saavedra Durão, advogado que também não chegou a exercer a profissão. Com mestrado em antropologia, optou por trabalhar na área social e durante 25 anos foi diretor-executivo da ONG Fase.

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