?Dona Raquel, não posso me oferecer para trabalhar como motorista. Ainda não fiz 18 anos. Mas sei que vocês têm telex e precisam de alguém para cortar o papel. Caso vocês já tenham cortador de papel de telex, faço faxina, sem problemas. Quero ser repórter de televisão e vejo isso como um bom começo?. Foram essas as primeiras palavras do jovem Vinícius Dônola ? então com 17 anos e calouro do curso de Jornalismo da PUC-Campinas ? para a hoje sua amiga Raquel Gale, no dia 3 de abril de 1987. A ousadia lhe rendeu no dia seguinte, com o aval do chefe de Redação Aguinaldo Ribeiro, um estágio não-remunerado como auxiliar nas tarefas da redação, estúdio e externa da TV Metrópole, ligada à extinta Manchete. Dois meses mais tarde, pela ausência de dois repórteres da emissora, o jovem ?faz-tudo? recebeu sua primeira pauta: falar sobre o movimento das estradas, rodoviárias e estações durante o feriado de Corpus Christi. Ao longo de 25 anos de carreira, Vinícius passou, além da TV Manchete, pela Rede Globo, onde permaneceu 15 anos. Na emissora carioca, contabilizou mais de mil reportagens em 25 estados brasileiros e coberturas em Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Honduras, República Dominicana, Estados Unidos, França, África do Sul e Antártida. Em 2008, mudou-se para a Record para montar o Núcleo de Reportagens Especiais da emissora. Desde 2010, é correspondente da Record em Nova York e comanda não só a cobertura de fatos de relevância internacional, mas também matérias e séries especiais no interior dos Estados Unidos, Canadá e México. Em entrevista ao Portal dos Jornalistas, o repórter fala sobre a escolha pela carreira, família e coberturas que marcaram seus 25 anos de profissão. Portal dos Jornalistas ? Você sempre quis ser repórter de televisão? Como foi a decisão pelo curso de Jornalismo? Vinícius Dônola ? A tomada da decisão se deu depois de uma tormenta, aos 17 anos de idade. O que fazer? Direito? Medicina? Biologia Marinha? Fiz um teste vocacional na esperança de desfazer o nó da indecisão. Mas o bendito teste só me confundiu ainda mais. Resultado: raciocínio para Exatas, aptidão para Humanas e interesse por Biológicas. A psicóloga do colégio, vendo meu notório penar, disse: ?Você é o único da escola que não vê que nasceu para ser jornalista! Vá para casa e pense, Vinícius?. Pois bem, pensei e conclui que psicóloga podia ter razão… PJ ? Como se sentiu ao ver sua primeira matéria no ar? Vinícius ? Senti a Síndrome do Avestruz: uma profunda vontade de cavar um buraco no chão da sala e enfiar a cabeça lá dentro. Que vergonha! Um amigo de infância e meus pais estavam diante da tevê. “Eu não nasci para fazer esse negócio…”, refleti, depois de me assistir pela primeira vez. PJ ? Por que decidiu concluir seus estudos em Portugal? Em que ano foi? Vinícius ? Procurei uma formação acadêmica sólida, que pudesse me propiciar também uma experiência longa no exterior. Depois de dois anos da PUC-Camp, transferi-me para a então recém-criada Escola de Jornalismo do Porto, em Portugal. Isso foi em meados em 1990, o ano da consolidação da Comunidade Econômica Europeia. PJ ? Trabalhou em algum veículo local? Vinícius ? Lá, trabalhei, sim, mas não como jornalista… Fui garçom, vendedor de equipamentos eletrônicos e… caixa de uma loja de roupas íntimas, a Anafred. Seu Alfredo e dona Ana, os donos do estabelecimento, são meus amigos até hoje. PJ ? Como repórter especial, você aborda os mais variados assuntos. Tem predileção por algum? Vinícius ? Tenho predileção por gente. Personagens. Histórias de vida. Meu mestre Jotair Assad [Globo Repórter] costumava dizer: ?Me dá uma foto e eu faço um programa?. Ele queria dizer que, numa simples fotografia, existem belíssimas histórias ocultas. Procuro seguir à risca os ensinamentos do mestre e enxergar as histórias ocultas que estão ao redor. PJ ? Qual reportagem ou cobertura você julga a mais importante desses seus 25 anos de carreira? Vinícius ? Foram tantas… mas a cobertura da morte de Osama Bin Laden, direto dos Estados Unidos, foi muito marcante. Na primeira entrada ao vivo, eu estava em Nova York. Algumas horas depois, já estava ao vivo da Casa Branca, em Washington. Foi um capítulo impactante da História. Tê-lo reportado in loco me é motivo de orgulho. PJ ? Qual você mais gostou de fazer? Vinícius ? Diria que a cobertura das Olimpíadas de Inverno, em Vancouver [Canadá, 2010]. Ninguém apostava em bons resultados de audiência. No entanto, dia após dia, provamos que os esportes de inverno podem, sim, atrair o telespectador brasileiro. Foram 40 dias de profunda exaustão. Acho que, depois de Vancouver, a imprensa do Brasil dará um destaque diferenciado às Olimpíadas do gelo e da neve. PJ ? E qual considera ter sido a mais difícil? Vinícius ? De novo, Vancouver. Tínhamos uma estrutura de trabalho dimensionada para cinquenta horas de produção. Produzimos mais de duzentas e cinquenta! A capacidade de armazenamento dos servidores (sistema de gerenciamento de conteúdo) e os turnos de trabalho atendiam a uma demanda inicial ousada, porém muito menor do que a cobertura que, de fato, levamos ao ar. Foi desafiador. PJ ? Como é a vida de um correspondente internacional? Vinícius ? Tal qual Vancouver, desafiadora. Os escritórios no exterior têm uma estrutura reduzida, se comparados com as grandes redações do Rio e São Paulo. É, talvez, o maior aprendizado da minha vida. PJ ? E quanto ao acesso às fontes sendo um repórter estrangeiro, há boa receptividade? Vinícius ? Nem sempre. No exterior, você tem que demonstrar a todo instante que é um jornalista sério, que trabalha para uma empresa reconhecida, que está bem informado a respeito do assunto e do entrevistado em questão. Lembre-se: aqui, não somos figuras públicas. Transitamos no mais absoluto anonimato. O meu site (www.viniciusdonola.com) me ajuda muito a me apresentar para pessoas e instituições. Por meio dele, pode-se ter uma noção do que fiz e do que faço como repórter e escritor. O tom da conversa com o potencial entrevistado muda depois que envio o link. Todavia, compreendo o receio que os estrangeiros têm num primeiro momento. Cabe a mim e à equipe provar que somos sérios. PJ ? Alguma vez já se sentiu hostilizado ou foi impedido de fazer uma reportagem? Já sofreu algum tipo de ameaça por conta delas? Vinícius ? Inúmeras vezes. Incontáveis. Ameaças? Nossa… já fui obrigado a sair da cidade onde morava… Faz parte da rotina. É o preço que se paga quando se mexe com pessoas e organismos nem sempre corretos. PJ ? Como a família lida com sua vida de jornalista? As constantes viagens, a mudança de país… Vinícius ? Casei-me com uma jornalista [Roberta Salomone, do Portal R7, com quem tem Antonio, de cinco anos], o que, em tese, facilita a compreensão da rotina. (que rotina?…) Nos últimos vinte meses, viajei para 18 estados americanos diferentes. Só para a Califórnia, foram oito viagens. Passei 30 dias no México. Fui também para o Canadá e para as Bahamas. Estou credenciado para as Olimpíadas de Londres e acabo de receber um convite incrível: dirigir um documentário em Cabul. Isso mesmo, Afeganistão! O documentário será patrocinado pela OTAN, por uma ONG afegã e por uma plataforma online destinada a realizadores de filmes, a Film Annex, com sede em Nova York. O fundador da Film Annex, sócio do ator e produtor John Malkovich, está investindo na reconstrução da rede local de ensino. Enfim, o apoio da família é o combustível que me alimenta. Sem ele, meu carrinho ficaria estacionado na garagem.