Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia
Mais de 60 cidades em vários continentes viveram transtornos nos últimos dias devido à ação do grupo Extinction Rebellion, ou XR, nascido em Londres. Importantes ruas do centro da capital britânica foram bloqueadas por manifestantes preocupados com os efeitos da mudança climática. O ato foi programado para durar duas semanas.
A forma de ação do grupo coloca em pauta as estratégias das organizações dedicadas a lutar por uma causa. Qual é a melhor maneira de transformar a sociedade? Eventos espetaculares? Lobby sobre quem decide? Engajamento pelas redes sociais? Boicotes a marcas? Protestos violentos?
O Extinction Rebellion escolheu como caminho manifestações pacíficas, mas que causem um impacto enorme na vida das pessoas, com altíssima visibilidade. Eles paralisam ruas e pontes, montam acampamentos, acorrentam-se a postes, colam-se ao chão para resistir à polícia e fazem barulho com batucadas e megafones.
Críticos denunciam a falta de diversidade do movimento, liderado por pessoas brancas de classe alta. Criticam o aumento do consumo de energia causado pelos bloqueios. Ou as exigências quase impossíveis de serem atendidas, como a de zerar o saldo de emissões de carbono até 2025 no Reino Unido.
Mas o Extinction Rebellion “pegou”. Impressionante a quantidade de pessoas de diferentes idades, origens e formações marchando pelas ruas de Londres, sob chuva e frio, muitas acomodadas em acampamentos improvisados. Apesar dos transtornos, uma pesquisa do Instituto YouGov feita no primeiro dia apontou aprovação superior a 40% nas faixas etárias de 18 a 24 e 25 a 49 anos.
Muita gente está se debruçando sobre o XR para entender os fundamentos da estratégia que vem dando certo. E que podem servir como parâmetro para outras organizações.
Uma interessante análise sobre a forma de ação do grupo foi publicada pela Tortoise Media. Um de seus fundadores, entrevistado pela publicação, é um pós-graduando de 53 anos que pesquisa movimentos de protesto. Sinal de que não se trata de um ajuntamento de adolescentes idealistas, e sim de uma estrutura planejada por gente qualificada.
Foi destacado o mecanismo para engajar não-iniciados em causas sociais. A fim de atrair gente da classe média britânica que nunca foi a um protesto, optaram por um discurso capaz de sensibilizar pessoas comuns: o futuro das crianças. Apelo eficiente para as próprias crianças e também pais e avós. E suficientemente vago para acomodar uma vasta gama de preocupações individuais – do desmatamento da Amazônia à perfuração do solo britânico para extração de gás.
Uma estrutura descentralizada, composta por pequenas unidades autônomas, favorece o engajamento. Segundo o Tortoise Media, o XR inspirou-se em um modelo utilizado na Guerra Civil Espanhola. São grupos em torno de dez pessoas, que não precisam de autorização prévia de um “comando central” para se unir e protestar. Basta aderir aos dez princípios do grupo.
Estima-se que existam cerca de 500 unidades em 72 países, sendo mais de 100 no Reino Unido. Mas esse pessoal não fica solto por aí. Há uma sofisticada estrutura quase empresarial para assegurar o alinhamento. Quem trabalha ou já trabalhou em multinacionais ou empresas que operam via franquia sabe o que é isso.
Coordenadores regionais supervisionam as unidades. Recém-chegados recebem treinamento antes dos protestos, principalmente sobre como não utilizar violência. Veteranos fazem simulações ensinando como se relacionar com a Polícia caso sejam abordados.
O modelo tecnológico que faz essa estrutura rodar foi escrutinado pela revista Wired. Para a comunicação em larga escala, começaram com o WhatsApp mas agora estão migrando para o Telegram, devido à segurança e à limitação de grupos de até 256 participantes na rede mais popular. Dentro dos grupos, empregam o Signal (uma alternativa ao Facebook) e o Matter Most.
A ferramenta de treinamento antes dos protestos é a plataforma Zoom. Planos de trabalho e documentos de referência estão no Google Drive. Há orientações de segurança de dados para os que participam dos protestos – incluindo a de usar um aparelho alternativo que possa ser inutilizado caso apreendido pela Polícia.
Do ponto de vista de comunicação, o Extinction Rebellion desenvolveu uma poderosa máquina de gerar fatos e imagens, com atos simultâneos em vários locais disseminados por um exército de voluntários. O pacifismo dos protestos ajuda a criar uma imagem simpática, distante da agressividade de outros grupos ambientalistas que se notabilizaram por atos violentos.
Até a prisão dos ativistas virou material para alimentar essa máquina. Em um lance genial, o Extinction Rebellion transformou os presos em heróis da causa. São aplaudidos, gerando simpatia. E deixando a Polícia constrangida, parecendo estar involuntariamente fazendo parte de um bem orquestrado teatro em que os manifestantes é que são os protagonistas.
O capital de imagem e a capacidade de mobilização do Extinction Rebellion são altos nesse momento. Seu profissionalismo é superior ao de grupos mais heroicos e menos organizados. O modelo descentralizado pode dar mais agilidade e eficiência em comparação a ONGs com estruturas mais pesadas.
O desafio será manter essa bola no alto. E conseguir vitórias reais que possam validar o modelo.