Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia
Em novembro de 2018 falamos aqui no J&Cia sobre o processo judicial no Reino Unido que decidiria se o veganismo ético é uma crença filosófica. O resultado acabou de sair, em favor dos veganos.
Não é fato isolado a proteção legal contra discriminação, concedida por um juiz trabalhista aos que se abstém de produtos de origem animal, a exemplo do que já ocorre com outros grupos como portadores de deficiência e praticantes de religiões. Faz parte de uma poderosa estratégia de mobilização em prol do veganismo em curso no Reino Unido. Um notável exemplo de ativismo bem-sucedido.
Mudança climática – O veganismo é coisa antiga. A organização The Vegan Society foi fundada aqui em 1944. Mas agora se populariza como nunca por combinar dois apelos: saúde e proteção do meio ambiente, este último mais eloquente quando o mundo vê a Austrália em chamas e se alarma com as queimadas na Amazônia, atribuídas por ativistas à pecuária.
Essa tempestade perfeita vem sendo bem capitalizada por organizações ligadas à causa, com anúncios até no metrô. Algumas optaram por uma mecânica inteligente. Em vez de exigirem um compromisso eterno, procuram induzir o consumidor a aderir por algum tempo ao veganismo, na esperança de que ele permaneça, pelo menos parcialmente.
É o caso do “janeiro vegano” criado pela ONG Veganuary. Começou em 2019 e se repete este ano. Ideia simples, tomada emprestada das entidades dedicadas a combater o alcoolismo, que há anos incentivam o “janeiro seco”, conclamando as pessoas a passarem o mês sem álcool.
Se um mês é muito, que tal um dia por semana? É a proposta da MeatFreeMonday, liderada por Paul McCartney e suas duas filhas, motivando as pessoas a evitarem produtos advindos de animais às segundas-feiras. Tudo isso parece estar dando certo. Uma pesquisa do Instituto Nielsen para a revista The Grocer apontou que o consumo de carne bovina e suína caiu £ 184,6 milhões nos supermercados em 2019, em parte por preocupação ambiental.
Impacto extenso – Ainda que a quantidade absoluta de praticantes seja pequena no momento, a eficiência da comunicação tornou o veganismo louvável e aspiracional. Seu impacto sobre empresas e marcas pode ser extenso, já que envolve não apenas comida, mas uma vasta cadeia de produtos e serviços.
Os veganos éticos pregam distância do couro, até mesmo na hora de sentar em um sofá. Condenam o uso de lã e de cosméticos com ingredientes vindos de animais. E recomendam evitar andar de carro ou ônibus por causa dos insetos esmagados nos vidros dos veículos em movimento.
A oferta de produtos de origem vegetal é cada vez maior aqui. Até de onde menos se espera vem novidade. Entre as empresas britânicas que criaram produtos para os veganos está a popular rede Greggs, conhecida por seus sausage rolls, salgadinhos recheados com linguiça. O vegan roll foi saudado como iniciativa alinhada aos novos tempos.
Mas um passo em falso pode se virar contra a marca. O Burger King está sendo criticado por ter lançado um hambúrguer plant based não adequado aos veganos, já que é frito na mesma chapa onde são feitos produtos de carne. E leva maionese. O porta-voz da Vegan Society lamentou a “oportunidade perdida” de lançar um produto de fato apropriado a quem pratica o veganismo ético e não apenas evita o consumo de carne bovina.
Enquanto marcas adaptam linhas, outras surgem para atender à demanda. A repercussão mundial do lançamento do “porco vegetal” pela Impossible Foods durante a feira CES (Consumer Eletronics Show), em Las Vegas, mostra o quanto o mercado está de olho na tendência. A companhia, sediada no Vale do Silício, compete com a Beyond Meat, sensação na Bolsa de Nova York quando fez IPO ano passado.
É difícil prever a extensão desse movimento e o quanto pode afetar marcas e até economias de países como o Brasil, um dos maiores produtores de proteína animal do mundo. Mas o veganismo parece ter encontrado seu momento, ao lado de outras tendências impulsionadas pela mudança climática, como o combate à moda descartável e ao transporte individual.
Profissionais de marketing e comunicação serão de grande valor para avaliar riscos futuros das empresas e marcas diante de um consumidor que acrescentou a ética à lista de atributos que exige em um produto. E para aconselhar as que desejarem ou forem compelidas a se adaptar a este novo mundo. Deslizes podem ser fatais.