Por Plínio Vicente da Silva
Sempre gostei de cobrir jogos de futebol in loco. Meu começo foi em O Diário, em Ribeirão Preto, no final dos anos 1950. Como eu morava na rua Barão de Cotegipe, atrás do antigo campo do Botafogo, na Vila Tibério, sempre era escalado para assistir às partidas do Pantera da Mogiana e passar os dados por telefone para a redação.
Depois, já no Jornal da Cidade, de Jundiaí, nos primeiros anos da década seguinte, fazia questão de dividir, primeiro com o cargo de editor de Esportes e depois com o de editor-chefe, a função de repórter. Cobria jogos dos campeonatos amador e varzeano da cidade e do time profissional do Paulista no Jaime Cintra, e até mesmo viajava para outras cidades em que ele jogasse pelos campeonatos da FPF.
Mais tarde, levado por Ademir Fernandes e Sidney Mazzoni para fazer frilas na histórica Edição de Esportes do falecido Jornal da Tarde, que circulava às segundas-feiras, sempre pedia aos editores Roberto Avallone, Vital Bataglia e Mário Marinho permissão para cobrir jogos menores. Como, por exemplo, os do Juventus, na rua Javari, ou da Portuguesa, no Canindé. De volta à redação e entregue a matéria, dedicava-me então a ajudar no fechamento, agora como copidesque.
Não me afastei desse hobby mesmo depois de ingressar no Estadão, em 1979. Primeiro na editoria de Política e mais tarde na Chefia de Reportagem. Já credenciado pela Aceesp como jornalista esportivo, sempre que possível pedia ao saudoso Fran Augusti – que trocara com Luiz Carlos Ramos, meu querido amigão “Barriga”, a editoria de Geral pela de Esportes – para ir aos estádios cobrir jogos menos importantes. Mesmo porque cobrir os mais importantes era tarefa para os grandes repórteres do jornal, como Faustão e Antero Grecco.
O tempo voou, a vida seguiu seu curso e eu, como quis o destino, vim parar em Boa Vista em 12 de abril de 1984, fugindo das ameaças do Comando de Caça aos Comunistas, o CCC portenho, que, para revidar a séries de reportagens que fizemos – eu, Marcos Wilson, Luiz Fernando Emediato, José Maria Mayrink e Roberto Godoy – publicada em janeiro de 1983 sob o título de Holocausto argentino, resolveu atazanar a nossa vida. Afinal, essas matérias contribuíram, de alguma forma, e creio que mesmo decisivamente, para a queda da ditadura militar no então país vizinho.
Até hoje o futebol aqui em Roraima, embora profissionalizado, continua semiamador, paupérrimo e com alguns vislumbres de esperança no futuro. Como o de agora, em que o São Raimundo, tetracampeão local, empatou recentemente (13/2) com o Cruzeiro, de Minas, pela Copa do Brasil.
Quando cheguei a Boa Vista e fui me enturmar com o pessoal do futebol local, encantei-me com o Estádio 13 de Setembro, apelidado Canarinho, nome do bairro onde foi construído pelos governos militares daquela época. Mais tarde, foi rebatizado com justiça, por força de lei estadual, ganhando o nome de Flamarion Vasconcelos, o mais importante repórter esportivo da história de Roraima, a quem tive a honra de ensinar a profissão e de quem me tornei amigo e companheiro de beira de campo.
Acumulando minhas funções de correspondente do Grupo Estado e de editor da Folha de Boa Vista, cobri muitas competições até que as sequelas da polio não mais me permitiram. Não só no Canarinho, mas nos terrões da cidade. Afinal, é neles que encontramos a verdadeira alma do futebol tupiniquim.
Um dia, ao me visitar na redação, um diretor do Náutico, uma das oito equipes do futebol local, convidou-me para viajar com a delegação ao município de Mucajaí, distante pouco mais de 50 km de Boa Vista. O jogo não seria na cidade, que abriga o Progresso E. C., mas um pouco mais adiante, na Vila Iracema, assentamento agrícola do Incra, cuja sede fica às margens da rodovia BR-174, que liga a capital roraimense a Manaus.
Era um sábado à tarde e, como decidi levar meus três filhos pequenos, viajei no meu carro. Estacionei sob uma frondosa castanheira, ao lado do meio do campo, e aproveitamos para assistir dali mesmo ao que seria a mais pândega das partidas de futebol que cobri nos meus 60 anos de jornalismo. Foram vários os fatos que mereceriam uma abordagem nesta crônica, como tropeços nos pés de juquira que se misturavam à tiririca, jogadores descalços tropicando em bosta de vaca etc. Todavia, tomariam muito espaço e então resolvi ficar com dois deles, os que mais marcaram os jogadores, eu e os meus filhos na tarde daquele 20 setembro de 1986.
O primeiro ocorreu lá pela metade do primeiro tempo. Num dos ataques do time local, a bola foi chutada acima do gol e foi cair num matagal atrás da meta defendida pelo goleiro do Náutico, Rancho – ainda vivo para não me deixar mentir −, mais de 1,90 de altura e quase 90 kg. Ele entrou carrascal adentro e de repente ouviu-se um grito desesperado. Os jogadores dos dois times correram em seu socorro e somente depois de uns dez minutos é que ele reapareceu, todo sujo. Caíra em uma das muitas covas que testemunhavam existir um velho cemitério abandonado. Depois de algumas cargas com água de balde e sabão, manteve-se firmemente destemido a defender os três paus, garantindo a vitória de seu time.
O segundo fato, este mais grave, passou a se manifestar lá pelos 30 minutos do segundo tempo. Vários jogadores começaram a se coçar. Coceira que também nos pegou – eu e meus filhos -, subindo pelas pernas e chegando às entranhas. O jogo acabou, todo mundo tratou de ir embora o mais rápido possível e eu mais depressa ainda pelo asfalto da BR.
Quando chegamos em casa, relatei o problema à minha esposa e ela fez eu e os meninos tirarmos a roupa. Diagnóstico: estávamos os quatro infestado por mucuins, segundo o Dicionário Aurélio, “Acarídeo trombidiforme (Tetranychus molestissimus), cuja mordedura provoca intensas coceiras” e que atacam principalmente a região pubiana.
Resultado: tive que ir à farmácia buscar uma pomada própria para passar depois do banho e imediatamente dona Salete queimou toda a roupa, a minha e a dos filhos. Hoje, quando passo em frente ao antigo assentamento, agora município emancipado de Mucajaí, não paro! É um trauma que ainda guardo daquele ataque dos mucuins da Vila Iracema…
Plínio Vicente da Silva, editor de Opinião, Economia e Mundo do diário Roraima em Tempo, em Boa Vista, para onde se mudou em 1984, assíduo colaborador deste espaço, brinda-nos com mais história.