Por Ceila Santos
A pandemia trouxe as crianças, o cachorro, o gato e os idosos para o campo do trabalho. E, lógico, o(a) companheiro(a), grupo de amigos que divide a casa ou a solidão. Quem não liderar essa vida nova, dentro das funções e responsabilidades a que já estava habituado no seu dia a dia fora de casa, pode perder o bonde da colaboração. De origem latina, a palavra tem significado simples “trabalhar com”. Ou seja, fazer junto. Na prática, colaborar tem interpretações bem diferentes: ajudar o outro, entregar parte do trabalho ao outro, suprir a necessidade de outros. Focado na entrega e cheio de boas intenções, quem diz que colabora ainda não entendeu o significado de ajuda mútua, escuta e exercitar a confiança.
É fácil para jornalistas, RPs e publicitários falar de fenômenos disruptivos, analisar tendências e categorizar os desafios; vivemos disso. Somos perguntadores do mundo. A Comunicação é o mundo das ideias, dos conceitos, símbolos, mensagens e transmissão. E, como vivemos na era do conhecimento, analisar o futuro é como beber água no dia a dia. Alguns profissionais também têm o hábito de olhar o passado, principalmente aqueles que investigam e usam a linha histórica para compreender o presente. Lex Bos (1957-2005), sociólogo e consultor holandês, mostra o quanto essas duas habilidades de análise, do passado e do futuro, faz parte do processo comunicativo de todo ser humano. Primeiro a gente julga o que acontece (passado/fatos) e depois como algo deve ser (futuro/normas). Ele nomeia a tendência de olhar para o passado como caminho cognitivo e, para o futuro, de optativo. Se esse é o trabalho natural, que inclui funções e responsabilidades da comunicação, penso que a liderança da comunicação pode servir de inspiração para todos que desejam colaborar de forma genuína. Ou seja, saindo do lugar comum e velho, de fazer pelo outro ou para o outro, e praticando a origem da palavra, com outro.
Pra começar essa partilha era necessário definir quem é a liderança da comunicação. Minha escolha foi pelo domínio econômico, o corporativo, que hoje é o ponto nevrálgico, que sustenta os dois lados do chamado balcão – RP e jornalista – e ainda se relaciona commarketing. Leandro Modé, superintendente do Itaú Unibanco, premiado pela Aberje em 2019, foi o primeiro que aceitou abrir esse diálogo no Jornalistas&Cia. Respondeu meu contato de forma rápida, receptiva e sem intermediários. Abertura. Qualidade primordial para transformar em juízos os julgamentos do caminho cognitivo e optativo, identificados por Bos.
Leandro revelou que o Itaú Unibanco já reconhece a colaboração como princípio a ser desenvolvido nas relações para a sustentabilidade do negócio e investe nas equipes multidisciplinares para áreas diferentes trabalharem juntas numa meta comum. Esse é o começo da brincadeira. Pra ela prosperar vai ser crucial que cada integrante aprenda a comunicar fora do senso comum. Aprenda a ser líder de si. Aprenda a tomar decisões não só em prol do comum, que se agrega nessas equipes, mas que insira o que está conectado à equipe-multi. Clientes? Fornecedores? Não. Coronavírus! O que estamos aprendendo agora nesta crise? Responsabilidade do contágio. Somos todos um. Não basta conhecer ou falar da globalização. É preciso vivê-la.
É aí que entram as metodologias de Desenvolvimento Humano e Organizacional. Bos ensina que perguntadores, como nós, quando usam os caminhos propostos, tornam-se pesquisadores quando olham para o passado e empreendedores, quando olham para o futuro. Essa postura de quem investiga para compreender o mundo ou de quem empreende para mudar o mundo é o ponto de partida para a formação do juízo. Só que ele só acontece quando a gente consegue distinguir os caminhos e relacionar um com outro.
Pra cair a ficha do que isso significa, lembra de alguma reunião em que seu coração fervia dentro de si porque desejava resolver logo o problema, mas aquela pessoa, ou grupo, insistia em perguntar mais, averiguar mais, diagnosticar mais. Seja qual for o lado em que se posiciona, se não houver consciência e técnica, conflito e mal-estar serão gerados e não cuidados, pois todos os percebem. Batizada pela sigla FDJ, a Formação de Dinâmica de Juízo nos ajuda neste discernimento e na correlação dos caminhos citados, com uma técnica muito simples – identificando ora o passado ora o futuro, nas posições do tempo, durante o discurso de quem fala. Isso ajuda os corações ansiosos do futuro a esperar a voz de quem olha para o passado pra dizer se aquela ideia fantástica e genial, que veio do fundo de si, honra aquilo que foi, ou só reproduz o velho. É simples, mas não é fácil.
Bos explica que a distinção dos caminhos não é uma dinâmica de grupo, mas uma distinção psicológica-individual. “Toda pessoa tem tendências a ver a realidade através dos óculos de suas intenções, desejos e necessidades próprias”. Ele diz: julgamos o futuro de acordo com a nossa experiência do passado. Sem que o percebamos, nossas decisões no caminho optativo são ditadas pelo caminho cognitivo. Se não os distinguirmos conscientemente, chegaremos a decisões erradas no caminho optativo”. Ou seja, se as equipes multidisciplinares forem capazes de dialogar a partir da profundidade dos seus conhecimentos, mesmo que haja soluções, o resultado pode ser o conhecido.
Se tem algo com que comunicadores e não profissionais desta área concordam é que haverá mortes – além das existentes – de profissões, modelos de negócios e organizações depois dessa crise. Nós já lidamos com a reinvenção da imprensa desde começo do milênio e sabemos o quanto as áreas de entrega precisam tornar-se mais estratégicas para cumprirem sua função. Não será a inteligência da capacidade de análise e raciocínio que todo jornalista tem que irá trazer o novo. Nisso, os algoritmos são melhores que nós. Talvez seja a hora de aprendermos a formar juízos para criar uma realidade de comunicação colaborativa, onde haja escuta e ajuda mútua. Bos ensina que a realidade social ao nosso redor não cresce como uma floresta natural, ela é obra humana. Depende de cada um de nós ter a disposição de discernir o nosso tempo de fala e escuta para julgar menos e construir mais. Assim construiremos uma nova comunicação.
Entre os presentes que Jornalistas&Cia oferecerá aos seus leitores no Especial do Dia do Jornalista, está a estreia da coluna Liderança Colaborativa, que abordará os desafios das grandes organizações em harmonizar e integrar as gerações, com seus diferentes perfis, vocação e interesses, nos processos produtivos da comunicação. Ceila Santos se aprofundou na área de Desenvolvimento Humano sob a perspectiva da antroposofia, e trará a cada 15 dias a conversa com um líder de comunicação do País.