Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia
Entre as indústrias afetadas pela Covid-19 no Reino Unido está a da mídia, que tem visto o agravamento de situações que já preocupavam e que agora tomam proporções alarmantes. Sucedem-se notícias sobre demissões, licenças não remuneradas, suspensão temporária ou encerramento definitivo de títulos, principalmente impressos.
E nem a explosão do acesso digital a notícias – o Financial Times, por exemplo, registrou aumento de 250% no tráfego online – traz alívio, pois isso não está se refletindo em receita. Além de setores com atividade econômica reduzida ou inteiramente paralisada, há um problema adicional: as marcas não querem associar-se ao tema negativo.
Fica difícil para os veículos sobreviverem, porque naturalmente a pauta está dominada pela pandemia. Uma pesquisa da agência Resonance PR apontou que na BBC quatro em cada cinco matérias tratam da Covid-19.
O problema levou o secretário Nacional de Cultura Oliver Downden a escrever na semana passada aos principais anunciantes britânicos conclamando-os a revisarem suas políticas de blocklist a fim de evitar um declínio irreversível sobre o jornalismo do país. Ele classificou a imprensa como o “quarto serviço de emergência”. E ensaiou uma ameaça, observando que o Governo pode intervir se os anunciantes não atenderem ao apelo.
A empresa de pesquisa Ender Analysis alertou que o segmento nunca esteve tão vulnerável, projetando redução de 30% nos investimentos em propaganda este ano. Segundo o The Times, a previsão é de que o prejuízo chegue a £ 50 milhões nos próximos três meses.
Enquanto isso, o valor de mercado das empresas de mídia despenca. O grupo Reach, que tem entre os seus títulos o Mirror, o Express e o Star, registrou queda de 40%, e sinalizou intenção de colocar 1/5 de sua equipe em licença.
Impressos descendo a ladeira – Mesmo que o apelo do Governo resulte em mais anúncios para os canais digitais, e que alguns veículos estejam experimentando elevação nas assinaturas, os impressos continuarão tendendo a ser as principais vítimas. Consequência natural desses tempos em que as pessoas não podem sair de casa para comprar revistas e jornais e que títulos de grande tiragem distribuídos no transporte público perderam seus leitores.
Na verdade, o novo coronavírus veio acelerar a tendência observada desde 2017 pela Pamco (Published Audience Measurement Company), que acompanha a evolução da audiência dos principais jornais britânicos em quatro plataformas (impressa, celular, tablet e desktop).
Comparando os resultados com o último ranking de 2019, a audiência pelo celular é a única que aumentou no período e se tornou a maior de todas. Dentre os dez principais jornais, esse crescimento foi de 35% desde 2017, atingindo no ano passado a marca de 184,9 milhões de leitores por mês.
Nenhum dos dez principais títulos apresentou crescimento na leitura em papel, sendo as maiores quedas as do Daily Express (-39%), Daily Mirror (-38%) e The Guardian (-30%). A audiência da versão impressa desses dez principais jornais foi de 41,8 milhões por mês no ano passado, representando uma queda de 26% nos dois últimos anos, mas ainda mantendo-se como a segunda principal plataforma. A leitura pelo desktop caiu 27% no período (33,9 milhões por mês) e a pelo tablet caiu 21% (22,3 milhões por mês).
Mesmo os títulos gratuitos voltados para os usuários do transporte público tiveram aumento na leitura pelo tablet (o Metro cresceu 38% e o Evening Standard, 17%) e pelo celular. O problema é que a receita principal deles vem da versão impressa. O Evening Standard, que suspendeu a revista de variedades ES e está tentando se virar entregando o exemplar nas residências, tem 80% de seu faturamento advindo de propaganda no impresso.
Ainda que para alguns jornais o retorno à vida normal permita que recuperem parte das perdas, o impacto para os que são lidos no ônibus, trens e metrô pode ser mais duradouro. Com a população atenta a hábitos de higiene, muita gente pode não querer pegar o exemplar disponível nos bancos, imaginando que a mão do leitor anterior possa estar contaminada.
Os próximos meses serão de tensão para as empresas jornalísticas britânicas, que vivem o paradoxo de comemorar recordes de audiência e valorização do conteúdo ao mesmo tempo em que buscam meios de sobreviver financeiramente até o pior passar.