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domingo, novembro 24, 2024

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Selma Nunes lança projeto-piloto sobre Carandiru

Selma Nunes, ex-repórter do Diário Popular, de São Paulo, lançou no último dia 3/10 o projeto-piloto Primeira Página ? Carandiru 20 anos. Trata-se da prévia de livro e vídeo ? este feito em parceria com a Gaza Filmes, de Gil de Jesus ? que serão lançados no início do ano que vem sobre a cobertura da rebelião no Complexo Penitenciário do Carandiru, em outubro de 1992, que deixou ? oficialmente ? 111 detentos mortos. Em entrevista ao Portal dos Jornalistas, Selma conta o que a motivou a produzir o material, o trabalho como repórter de Polícia e a importância da cobertura do caso em sua carreira. Portal dos Jornalistas ? Como começou na editoria de Polícia? Selma Nunes ? Caí de paraquedas. Eu me formei em 1978 e comecei como revisora do Estadão. Fui para outras editoras pequenas, jornal de bairro, depois montei uma agência de notícias, a Agência Informa, e trabalhei com ela nos Suplementos da Folha. Fiz também revistas especializadas em agropecuária e imobiliária, mas nunca tinha feito nada de Polícia. Quando saí de agropecuária, fui indicada por amigos do Diário Popular a uma vaga para cobrir Polícia Federal. Eu não fazia ideia de como era a cobertura, se havia sala de imprensa etc., mas precisava trabalhar, então topei. Peguei um período bacana, em que houve aquelas denúncias do Pedro Collor… Eu andava muito para cobrir os diversos setores da PF, que é uma instituição muito fechada. Tinha que ir costurando as informações, e foi ali que aprendi a fazer Jornalismo. Na pauta de polícia ? por não ser aberta ? o que se tem é o Boletim de Ocorrência, com informações básicas. A partir dele é preciso ir atrás de endereço, vítimas, parentes. Fora que não se pode falar qualquer coisa, esbarra o tempo todo no que é legal e no que não é legal. Era preciso ter segurança absoluta sobre o que estava escrevendo e confiança nas suas fontes. Portal dos Jornalistas ? E como foi sua participação na cobertura da rebelião? Selma ? Na 6ª.feira (2/10/1992), eu estava na Polícia Federal. Tinha duas chefias diretas: a Maria Angélica Nery, em Cidades, e o Paulo Breiten e o Gilberto Lobato, em Polícia. A Angélica me ligou, já no final de tarde, dizendo: ?Selma, estão acontecendo coisas lá na Casa de Detenção, o negócio é grave, a gente não sabe a proporção ainda, mas a situação não é tranquila, não é uma rebelião qualquer. Nós precisamos de informações, lá dentro não se consegue nada. Sabemos que policiais da Federal foram para lá também?. Eu fui checar, mas ninguém ainda cogitava aquela situação. No dia seguinte, estava de plantão e entrei às 6h da manhã, junto com o Inácio França [hoje vivendo em Recife]. Comecei a fazer a checagem no IML [que era de praxe]. Até então, tínhamos a confirmação de oito mortos, que foi o apurado no dia anterior. Já havia acontecido tudo e nós ainda estávamos procurando as informações. O fim de semana era de eleição e o Fleury [Luiz Antonio Fleury Filho, governador de São Paulo na época] fechou tudo até acabar a votação. Segui fazendo a ronda do IML e notei que relutavam em falar do número de mortos. Tínhamos que apertar para eles falarem que eram do Carandiru. Fui confirmando vários corpos em diferentes IMLs, aí pronto: o negócio virou. Liguei para o Giba [Gilberto Lobato] e ele mandou chamar todo mundo ? quem estava de folga, de férias ? à redação.  E ali nós fizemos uma cobertura pesada, completa, com vários fotógrafos em todos os cantos em que poderia haver informação, mais os repórteres. Muito dessa cobertura e do sucesso do Diário Popular se deve ao Jorge de Miranda Jordão. Ele era um diretor de Redação que você não encontra por aí. Tinha um olhar para essa coisa popular, pegou o Diário Popular na ?bacia das almas? e entregou um foguete na mão da Globo [para quem o jornal foi vendido em 2001]. Ele [Miranda] tem uma peculiaridade muito grande ao dirigir uma redação e todos nós que trabalhamos com ele reconhecemos isso. Não há quem não se curve à excelência do trabalho dele. Nós sabíamos que, trazendo o material, conseguiríamos a primeira página. Éramos os únicos que fazíamos cobertura de Polícia daquele jeito. Pegávamos uma saída de banco e transformávamos aquilo num grande material. Essa cobertura do Carandiru ficou na primeira página do jornal ? por isso o nome do livro ? por 15 dias. É muito difícil você manter, segurar uma capa durante 15 dias. E com manchetes internas de duas páginas, com várias matérias, fotos. Portal dos Jornalistas ? E como surgiu a ideia de fazer o vídeo e o livro? Selma ? Fiquei no Diário até 2001, cobri o julgamento do Ubiratan [Guimarães, o único coronel julgado pelo caso] e fiquei mais próxima da área de justiça, já que nesse meio tempo me formei em Direito [em 1996]. O Diário lançou uma página de Justiça e eu fazia com edição do Giba. Quando terminou o julgamento do Ubiratan, fiz anotações de como era aquela cobertura e da importância do daquele julgamento, porque era inusitado ter um coronel daquela patente no banco dos réus. Ano passado comecei a pesquisar sobre o que já havia sido feito sobre o Carandiru e coletar material. Percebi que ainda não havia nada sobre a cobertura da imprensa, sobre como a imprensa trabalhou naquele ambiente totalmente inóspito, em que não havia nenhuma tecnologia que favorecesse o fluxo rápido de informações. No início deste ano, pensei que não poderia deixar passar ? com o tanto de material que tenho ? os 20 anos do caso. No entanto, não daria tempo de produzir o material do jeito que eu gostaria. Resolvi, então, fazer um evento de apresentação do piloto para marcar a data e lançar o material completo com a retomada do julgamento [de outros PMs envolvidos, marcado para janeiro de 2013]. Portal dos Jornalistas ? Foi a cobertura mais importante de sua carreira? Selma ? Foi. A importância dessa pauta na minha vida tem uma peculiaridade porque ela sintetiza as minhas duas carreiras. Nesse sentido, é a pauta mais importante. Não por eu ter trabalhado diretamente nela. Trabalhei nos bastidores, sustentando informação, mas o envolvimento que todos nós tivemos com essa pauta naquela época foi uma coisa que ? pela grandiosidade dela ? não teve outra. O que me mais toca nesse projeto é conseguir passar isso. Ao ver o vídeo, você olha e fala ?nossa!?. E foi assim que as pessoas que nunca tinham tomado contato com esse material ficaram na apresentação que fizemos na livraria. Era um silêncio. As pessoas ficaram imóveis, não levantavam das cadeiras. Ficaram: e o resto, o que vai ter mais? Portal dos Jornalistas ? E o que muda do projeto-piloto, que tem 15 minutos, para o que você pretende fazer como produto final? Selma ? O grande barato desse videolivro é fazer as pessoas se lembrarem daquele momento. Nós temos aqui depoimentos muito importantes. O Gazeta, por exemplo, que era o fotógrafo, diz assim: ?Eu não sei quem estava comigo, mas o repórter que estava comigo entrou no carro e disse: mais de cem mortos. E eu disse ?puxa vida, mais de cem mortos??. O Antônio Carlos não lembrava que estava com o Gazeta, mas se lembrava dos fatos. Então, é uma colcha de retalhos. E eu até acho que o retrato final ? para todos nós que participamos e que vimos ? vai ser interessante: ver o que o outro viu e eu não vi, apesar de estarmos trabalhando juntos todos os dias. O final dele para nós ainda é uma surpresa. O que sabemos é que todas as pessoas-chave serão ouvidas, inclusive os repórteres que acompanharam os velórios e os enterros coletivos, que foi outro momento. E vamos ter também os repórteres de Política, que estiveram à frente das reportagens de eleição. Então, são três momentos: o fato, a dor da família diante de uma situação como essa e a política, pois polícia e política estiveram lado a lado até o fim nesse episódio. Portal dos Jornalistas ? Já tem patrocínio? Selma ? Nada. O piloto tem também essa função. E uma coisa temos na cabeça: será feito. Como, ainda não sei. Se precisar pedir dinheiro emprestado, faremos. É importante o registro desse material.

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