Em primeiro lugar, que infortúnios como os que recaíram sobre a conceituada empresa de comunicação podem acontecer com qualquer um, em qualquer lugar, e de nada adianta tentar esconder problemas, ainda mais quando se busca prestígio como um grupo de mídia. É assim que a rede britânica tem agido. Criou até mesmo uma vinheta ? ?Crise na BBC? ?, que indica a cobertura sobre os recentes erros de reportagem sobre abuso sexual que já determinaram a demissão de três executivos e um editor sênior. Recapitulando: Jimmy Savile, ex-apresentador da rede, morreu em outubro de 2011, aos 85 anos, o que revolveu uma série de denúncias de estupro e assédio a menores que já o perseguiam em vida. A própria BBC destacou as investigações, mas um telejornal em especial, o Newsnight, resolveu cancelar suítes sobre o caso pouco após a concorrência levar ao ar novas acusações. Questionado sobre a suspeita de acobertamento, o editor sênior do programa, Peter Rippon, demitiu-se em 22 de outubro de 2011. O diretor-geral da BBC, Mark Thompson, que também chegou a ser acusado de acobertamento, anunciou em março último que também estava se afastando do cargo, mas sem admitir qualquer pressão relacionada ao caso. Em setembro passou a faixa, oficialmente, a George Entwistle, que era diretor da BBC Vision. No início de novembro, o Newsnight voltou à baila, investigando uma acusação de abuso sexual de um morador do País de Gales contra um político conservador. O telejornal endossou um boato das redes sociais que mirava o ex-integrante da Câmara dos Lordes, Alistair McAlpine. O político negou e, pouco depois, a suposta vítima tampouco o reconheceu como seu agressor. Como decorrência, Helen Boaden, do Departamento de Jornalismo, e seu vice Steve Mitchell se afastaram de seus cargos. O próprio Entwistle demitiu-se, menos de dois meses depois de assumir o lugar de Thompson ? que por sua vez tornou-se presidente-executivo do New York Times no último dia 12/11 (2ª.feira). Nova polêmica: em vez de pagar somente o proporcional a que teria direito pelos 54 dias de trabalho, a BBC resolveu compensar o ex-executivo pelos serviços de um ano, com 450 mil libras, ou R$ 1,5 milhão. Todos os fatos descritos têm sido reportados pela própria BBC em rádio, tevê e internet. No portal, é possível recuperar boa parte do material, além de rever todos os pedidos oficiais de desculpas que o grupo veiculou, baixar PDFs de documentos oficiais sobre o caso, ler diferentes opiniões em artigos e análises, e rever os acontecimentos numa linha do tempo ou numa didática página de Perguntas & Respostas. O esforço da BBC em ser mais do que transparente, mas também rigorosa na apuração e na reportagem das próprias falhas é sua segunda lição: a negação reincidente dos próprios erros minariam sua credibilidade, mas o empenho em esclarecê-los ao público tem efeito contrário. Ainda mais diante da concorrência, que também esteve na mira recentemente, por ocasião das denúncias de grampos ilegais do jornal News of World, do grupo News Corporation, de Ruppert Murdoch ? que também exigiu cobertura regular do caso nos próprios veículos da rede, como o canal Fox News e o jornal The Times. Jornalistas&Cia já havia destacado a maturidade com que a Newsweek comunicou a leitores e colaboradores o encerramento de sua edição impressa, com dois meses de antecedência. Quem dera as empresas de comunicação do Brasil e de muitos outros lugares adotassem postura semelhante quanto aos próprios problemas. A dificuldade em se obter informações claras sobre as demissões das últimas semanas ? que ocorreram, vale lembrar, por problemas aparentemente menores do que acusações de abuso sexual ? deixaram centenas de colegas desnecessariamente apreensivos. Muitos ainda dizem estar a deriva em relação a seus futuros, à espera de definições de seus ex-patrões e de apoios de entidades de classe.