A história a seguir, de Vital Battaglia ([email protected]), é a que dá título ao livro Ah! – Atestado de óbito do Jornal da Tarde e outras histórias do jornalismo, que acaba de lançar pela Detalhe Editora (www.detalheeditora.com.br). Nele, Vital reúne cerca de cem histórias de sua carreira de 45 anos como jornalista, em especial no Jornal da Tarde, onde trabalhou por 25 anos como repórter especial, editor de Esportes e editor de Projetos Especiais. Vital aproveita para informar que está concluindo um livro só de futebol, que completa 150 anos. Segundo ele, “é uma grande critica na base do ‘Quero meu futebol de volta’”. Atestado de óbito E lá se foi o JT, Jornal da Tarde. Ia completar 47 anos no próximo 4 de janeiro. Morreu antes. Comecei a trabalhar no JT antes de ele nascer, em outubro de 1965. Estávamos treinando para fazer um novo jornal, fazendo matérias para a Edição de Esportes do Estadão, que havia sido criada por Mino Carta para ser o embrião do JT. O filho tão esperado. Nessa época, eu já havia passado pela Última Hora e ido para o jornal Notícias Populares. Fiz a mesma trajetória do meu amigo Percival de Souza. E, juntos, também fomos para o JT. Minha cabeça ainda estava na Última Hora. Lá havia aprendido com meu editor, Celso Eduardo Brandão, que estávamos vivendo novos tempos. Tempos de contar a verdade. Isso foi em fins de 1962, mas parecia que os ventos da ditadura já estavam soprando. Foi uma grande escola a Última Hora. Foi lá que conheci grandes jornalistas – ou melhor, conseguia ficar perto deles. Uma ou outra vez apareciam na redação – na Avenida Prestes Maia, em São Paulo – figuras como Nelson Rodrigues, João Saldanha, Sérgio Porto, entre outros, que trabalhavam na Última Hora do Rio de Janeiro. Na redação paulista, bem ao lado da editoria de Esportes, estavam Jô Soares, Ignácio de Loyola Brandão – primo do nosso editor de Esportes, Celso Eduardo Brandão –, Ricardo Amaral, Arapuã, Álvaro Paes Leme. A Última Hora sofreu o impacto da revolução, pois era um jornal de esquerda. Notícias Populares, embora tenha sido criado para alicerçar a candidatura de Carlos Lacerda à Presidência da República, como jornal popular de direita, também perdeu seu rumo depois que a ditadura se estabeleceu. Afinal, para que um jornal de base política? Não haveria eleições! Por isso, no dia 4 de janeiro de 1966, todo caminho estava aberto para um jornal que estava nascendo apenas para fazer jornalismo. Quem me contratou para trabalhar no Jornal da Tarde foi Hamilton de Almeida Filho, na época um dos melhores editores de Esportes, jornalista consagrado na redação e no Brasil. Comecei a conhecer companheiros que chegavam de todo o País, em especial de Minas, de onde veio o gênio Murilo Felisberto, secretário de Redação. Com eles vieram os outros rapazes de Minas, que não ouso nomear aqui para evitar injustiça. Eram todos excelentes, como jornalistas e como pessoas. Murilo era o secretário de Redação, Mino Carta o redator-chefe. Como diz o mestre Rubem Alves, Murilo era a alma, Mino, o corpo; Murilo era a música, Mino Carta, o instrumento. Fiquei no JT por quase 25 anos. Foi com essas pessoas que aprendi a ser melhor. Até que, um dia, o jornal perdeu a alma, e já havia perdido o corpo. Perdeu a música, e já havia perdido o instrumento. Novos tempos. Quem tinha mais de 45 anos havia envelhecido com o jornal. E o jornal era feito por jovens, para jovens. Havia terminado a revolução, não havia mais ditadura, não havia mais por quê e por quem lutar. Os donos do jornal resolveram assumir o comando, tocar o instrumento e fazer a música. Trocaram todos os instrumentos e músicos que fundaram o JT. Sabiam que seria impossível substituir as lideranças que foram criadas na época da revolução, mas, como vocês devem saber, jornalismo no Brasil é como capitanias hereditárias. Todo mundo é jornalista: pais, filhos, netos… Mas os leitores sabem quem são os verdadeiros jornalistas. Por isso, o JT disse adeus. Quando? Não sei dizer, mas tenham a certeza de que foi muito antes de 31 de outubro de 2012.