Por Luciana Gurgel
Não faz muito tempo que as matérias sobre questões ambientais dominavam o noticiário em datas especiais, como o Dia da Terra – que este ano foi comemorado na semana passada em todo o mundo –, para depois sumirem das pautas até a efeméride seguinte.
Não é mais assim. E essa não é a única mudança do jornalismo ambiental, que nem de longe lembra o que era décadas atrás, restrito a publicações especializadas e a páginas de ciência ou de internacional em alguns jornais.
A cobertura sobre o clima invadiu outras editorias e ganhou relevância compatível com o tamanho da crise ambiental.
Aliás, da emergência. Esta é a palavra que a revista Scientific American quer que a imprensa adote ao noticiar as mudanças climáticas, de forma a espelhar o consenso científico que não deixa dúvidas sobre a dimensão do problema.
Para formalizar o compromisso de tratar a crise como emergência, a revista criou até um statement para ser assinado por veículos e jornalistas, em conjunto com a coalizão global Covering Climate Now (da qual o MediaTalks faz parte).
O racional é uma comparação com a crise de saúde pública que vivemos desde o ano passado. Se uma pessoa está doente, ela está em crise. Se o mundo inteiro fica doente, vira uma emergência de saúde, como ocorreu com o coronavírus.
O mesmo pensamento aplica-se então ao clima. Uma enchente aqui ou um tufão ali são problemas localizados. Mas a escala atual de impactos e desastres ambientais acontecendo ao mesmo tempo em várias partes do planeta é, aos olhos da Scientific American, o argumento para que a questão seja tratada pela imprensa como uma emergência, assim como vem sendo a pandemia.
Os primeiros a assinar, coautores da iniciativa, foram nomes de peso da imprensa global: The Guardian, La Repubblica, Noticias Telemundo, Al Jazeera English, Asahi Shinbum e Columbia Journalism Review.
As três fases do jornalismo ambiental
O tom também vem mudando. É o que afirma Abby Rabinowitz, editor da Columbia Journalism Review. Em um artigo compartilhado pela Covering Climate Now e republicado no MediaTalks, ele descreve o que classifica como a nova era do jornalismo ambiental, marcada pelo foco em soluções.
Rabinowitz faz um histórico da cobertura sobre meio ambiente, que a seu ver passou por duas fases anteriores à atual: a do é real e a do é ruim.
Na primeira, começou-se a admitir a existência do problema. Na segunda, o catastrofismo tomou conta do noticiário.
Como referência inicial da nova etapa, o jornalista cita o podcast americano Mothers Of Invention, criado em 2018 e dedicado a apresentar iniciativas e propostas, em vez de simplesmente colocar mais lenha na fogueira.
Ele enumera vários outros programas e publicações com a mesma inspiração. Em todos, a ideia é fugir do enfoque de catástrofe, visto como cansativo para os jornalistas e para o público, capaz de assustar e desanimar. E que nem sempre leva a mudanças.
Esse modelo de jornalismo orientado para soluções tem ido além de conteúdo voltado para o público geral, geralmente associado a projetos comunitários como reciclagem ou plantio de árvores.
Um dos exemplos citados no artigo é a Bloomberg Green, iniciativa multiplataforma que se define como “voltada para notícias sobre mudança climática, análises e soluções”, tratando a questão do aquecimento global sob a perspectiva de negócios e finanças.
Mas abordar soluções não é necessariamente um caminho simples para a imprensa. Ele envolve riscos e fórmulas diferentes daquelas utilizadas pelo jornalismo tradicional.
Rabinowitz observa que os jornalistas estão habituados a relatar fatos com base em evidências. E que as soluções para a emergência climática são, na maior parte das vezes, hipóteses ainda não confirmadas.
Segundo ele, isso torna a missão desafiadora até para jornalistas experientes, beirando a ficção científica. Mas o esforço pode compensar, se esse modelo for capaz de colaborar para as mudanças ao influenciar pessoas, empresas e governos.
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