Luciana Gurgel

Há pouco mais de um ano, quando a pandemia do coronavírus tomou conta do mundo, quase ninguém se arriscava a fazer prognósticos seguros para o futuro da indústria de mídia e das práticas do jornalismo. Era tudo incerto.

Restrições ao movimento derrubaram tiragens e empurraram o público para as edições digitais de jornais. O acesso às mídias sociais explodiu, assim como o uso de serviços de mensagem para transmissão de informações − nem sempre confiáveis −, mudando a forma de consumir notícias.

E também de as produzir. Redações ficaram desertas. A maioria dos jornalistas teve que substituir a  reunião de pauta, a conversa no café e as entrevistas ou as apurações ao vivo pelo Zoom. Coletivas e eventos foram cancelados ou adaptados para as telas pequenas.

Como não há bem que sempre dure nem mal que não se acabe,14 meses depois a situação começa a voltar ao normal, se é que se pode falar em normal. Isso está ocorrendo sobretudo em países com programas de imunização mais adiantados, como os Estados Unidos e o Reino Unido.

E algumas perguntas começam a ser respondidas.

Uma dúvida inicial levantada por analistas e acadêmicos era sobre se o ganho de confiança no jornalismo atestado por pesquisas no início da pandemia teria efeito residual.

Para alguns, sim. No embalo da demanda criada pela doença, muitos jornais investiram nas edições digitais, incorporando recursos de jornalismo de dados, audio e vídeo para tornar a cobertura mais atrativa e informativa. E estão colhendo frutos.

Segundo levantamento feito pela empresa de tecnologia de mídia Piano, a Covid-19 abalou a  estrutura da temida barreira para pagar por conteúdo jornalístico.

A empresa, que administra sistemas de assinatura para mais de 300 veículos em vários países, atestou que houve crescimento de 58% no volume de assinantes em sua base. E queda nas taxas de desistência, mostrando uma fidelidade maior do leitor que optou por pagar para ter acesso ao veículo de sua preferência.

O estudo da Piano mostra como se comportaram os leitores e também as organizações, que intensificaram seus esforços de marketing para atrair assinantes. Uma das conclusões é de que o paywall foi mais eficiente para converter visitantes ocasionais do que a experimentação.

Os resultados não podem ser generalizados. A Piano trabalha para organizações de mídia gigantes, dotadas de recursos para aplicar na sofisticação de seus produtos jornalísticos e em ações de marketing poderosas.

O mesmo não acontece com empresas de mídia menores. Mas o que se depreende dos resultados é que há meios de convencer o público a pagar por conteúdo, desde que o valor da notícia que se entrega seja percebido por quem é convidado a assinar.

De volta às redações?

Depois de 14 meses, também já é possível compreender melhor os efeitos da pandemia sobre o futuro do trabalho. O mundo corporativo − redações incluídas − tenta encontrar o caminho para equilibrar o home office com a volta aos escritórios.

A decisão nem sempre é só operacional, mas também financeira. Pelo menos um grande grupo de mídia já fez sua opção. O Reach, que tem mais de 100 jornais no Reino Unido, fechou todas as redações e vai criar hubs para trabalho temporário, com boa parte da equipe indo à redação apenas algumas vezes por semana. Uma bela economia.

Seja qual for o modelo adotado, o episódio ocorrido com a revista americana Washingtonian na semana passada demonstra que ameaça pode não ser uma boa ideia para fazer as equipes retornarem às redações (ou às empresas).  A CEO da publicação escreveu um artigo de opinião no Washington Post alertando de forma nada sutil que os empregos de quem não quisesse voltar estavam sob risco.

A revolta chegou às redes sociais e virou greve de um dia. A CEO teve que contornar, dizendo que não era bem isso.

Os ânimos na revista podem ter se acalmado. Mas o estrago mostra que depois do trauma da Covid, as relações entre patrões e empregados também não serão mais as mesmas.

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