Por Luciana Gurgel
Há limites para liberdade de expressão? Onde ela começa e onde termina? Faltando pouco menos de 80 anos para chegarmos a 2100, talvez seja meio cedo para apostar em qual vai ser o “embate ideológico do século”. Mas esse é um forte candidato.
Exemplo recente é o do Reino Unido, que abriu na semana passada uma consulta pública para revisar a legislação atual de Segredos Oficiais de Estado, formada por quatro atos. Um deles é de 1911, e o mais novo de 1989, quando a internet tal como a conhecemos engatinhava.
A proposta inclui a criminalização de funcionários públicos que vazem documentos oficiais, com a criação de um novo órgão para julgar se a revelação de uma informação confidencial foi motivada por “interesse público”, o que justificaria o vazamento.
A dificuldade de legislar sobre a questão fica evidente no texto de apresentação, que assegura o compromisso do país com a liberdade de imprensa, mas ao mesmo tempo sustenta que vazamentos podem prejudicar o país e as pessoas.
Aí mora o problema. A quem o vazamento prejudica? A um governante cujas que viu suas más escancaradas? Ou ao país, se a informação ajudou terroristas ou potências estrangeiras hostis?
Não se sabe ainda a forma final da lei, mas se for aprovada com está na proposta vai ficar mais arriscado para funcionários públicos revelarem à imprensa informações que poderiam até ser de interesse público. Quantos vão se arriscar a perder o emprego e ir para a cadeia?
Jornalistas nas redes sociais, mais um capítulo
O limite para a liberdade de expressão também é seguidamente colocado à prova no âmbito das empresas, sobretudo as jornalísticas.
A CNN é a mais nova vítima. No fim de semana, um colaborador da rede americana no Paquistão tuitou dizendo que “o mundo precisa de um Hitler”, no contexto dos conflitos entre Israel e Palestina. Foi dispensado, como era de se esperar.
Mas, ao se manifestar após o desligamento, Adeel Raja questionou o pensamento ocidental por defender os direitos humanos e a liberdade de expressão mas não admitir que ele possa ter sua opinião. Sem entrar no mérito da declaração, inaceitável sob qualquer ponto de vista, o que ele aponta é aplicável a outras situações em que os limites não são tão evidentes.
Nesse ponto, as redes sociais tornaram ainda pior o que já era difícil, porque é planetário o alcance da opinião de um indivíduo associada ao jornal ou à empresa onde trabalha.
A BBC bem que tentou legislar sobre isso, criando no ano passado um código de conduta com regras para o uso de redes sociais pelos jornalistas. No caso da emissora pública, há um agravante: pelas normas, ela deve ser imparcial, ao contrário de jornais britânicos, que manifestam claramente sua opção política.
Não houve uma onda de punições. Mas não é difícil imaginar que os profissionais da rede tenham passado a pensar duas vezes antes de emitir opiniões, seja para não constranger a empresa onde trabalham ou para evitar reprimendas dos chefes. Mais uma situação em que o tal limite é difícil de ser traçado.
Liberdade de expressão, Big Techs e democracia
A opinião do público sobre o valor da liberdade de expressão foi medida em 53 países pela pesquisa Índice de Percepção da Democracia, apresentada na semana passada em Copenhagen. O estudo revelou que a desigualdade econômica é vista como maior ameaça ao Estado democrático.
Em seguida vem o medo de que restrições à liberdade de expressão afetem a democracia local. E em quarto lugar, depois de fraudes nas eleições, aparece o poder das plataformas digitais globais.
Não deixa de ser um paradoxo, já que em países com regimes autoritários e meios de comunicação sufocados as redes sociais emergem como único canal para ativistas se manifestarem e denunciarem ilegalidades praticadas por governos. E assim exercerem a liberdade de expressão.
Ainda faltam 79 anos para 2100. Pode ser que até lá o ponto de equilíbrio seja encontrado.
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