Por Fábio Seixas

Era o último dia dos Jogos de Atenas, 29 de agosto de 2004, e a pauta da Folha de S.Paulo me colocava no taekwondo. Não que eu fosse um especialista na matéria, mas Olimpíada é assim mesmo e este é o grande barato de uma cobertura assim: fazer um pouco de tudo.

Campeã mundial júnior quatro anos antes, Natalia Falavigna era uma das duas grandes esperanças de ouro brasileiro naquele domingo. A outra era o vôlei masculino, o que acabaria se concretizando com 3 a 1 sobre a Itália.

Então, lá estávamos eu, meu bloquinho e meu gravador, na tribuna do pavilhão esportivo de Faliro, área litorânea de Atenas. Natália estreou contra uma australiana e venceu. Passou por uma belga. Caiu para uma chinesa na semifinal, o que acabou com as chances de ouro, mas foi para a repescagem da disputa do bronze. Ganhou de uma italiana e credenciou-se à disputa da medalha. Foi derrotada, porém, para uma venezuelana. 

Ficamos de mãos vazias, ela e eu. Peguei o ônibus da imprensa e voltei para o MPC (Main Press Centre) já batucando no laptop as poucas linhas que me seriam reservadas na edição do dia seguinte. 

Quando cheguei ao imponente prédio que abrigava a imprensa − ao lado de um Carrefour que um dia descobrimos que vendia cachaça brasileira, mas essa é outra história −, todas as TVs estavam sintonizadas na maratona. A prova mais nobre do atletismo. A apoteose do espírito olímpico, não por coincidência marcada para o último dia dos Jogos. E, nas telas, a imagem era de um brasileiro.

Vanderlei Cordeiro de Lima liderava a prova. Parecia inacreditável. “Devem ser os primeiros metros da corrida”, lembro de ouvir um colega comentando. Não eram. Ele seguia firme e forte em suas passadas, segurando a liderança e dando sinais de que poderia escrever a grande história brasileira daqueles Jogos.

Assim que cheguei ao mesão da Folha no MPC, Roberto Dias, chefe da cobertura, mal teve como demonstrar alívio por ver um repórter na sua frente. “Vai pro Panathinaiko”, ordenou.

Dei meia volta, já pensando em como chegaria ao icônico estádio grego, uma construção de 330 A.C. e que receberia a chegada da maratona. 

Ainda atordoado, descendo as escadas rolantes do MPC, encontrei o colega Alex Müller, então no Grupo Bandeirantes, com uma equipe de TV e a mesma missão. “Vamos no nosso carro!”, ele disse. Respirei aliviado.

Mas o problema estava longe de ser resolvido. Porque se tratava de uma maratona, o que significa ruas bloqueadas, trânsito caótico, mapas inutilizados.

Tentamos. Entramos todos, incluindo mochilas, tripés, luzes e câmeras, num carrinho minúsculo e partimos com destino ao Panathinaiko. Ou quase. Sabíamos que dificilmente chegaríamos ao estádio, mas concordamos que tentaríamos nos aproximar o máximo possível e que o resto do caminho teria de ser… sabe-se lá como.

No começo, avançamos bem com o carrinho. Mas então o percurso tornou-se um labirinto. Pegávamos uma rua, terminávamos num bloqueio da polícia. Tentávamos outro caminho, a mesma coisa. Não havia mais o que fazer. Era hora de deixar nossa improvisada viatura num canto qualquer e tentar cumprir nossa missão a qualquer custo.

E assim foi. Colhemos mochilas, tripés, luzes e câmeras e saímos andando. “Parakaló! Parakaló!”. Pedíamos licença para os torcedores amontoados nas ruas e íamos passando, abrindo caminho, tentando chegar ao Panathinaiko em tempo de acompanhar os instantes finais da prova e a consagração de Vanderlei.

Foi quando nos vimos no percurso da maratona. Sim. Em algum momento furamos algum bloqueio − imagino que as credenciais nos nossos peitos ajudaram − e descobrimos que estávamos exatamente na avenida que dava acesso ao mítico estádio de mármore.

O que fazer? Correr, ora! E rápido. Afinal, tínhamos que atingir a linha de chegada antes dos atletas que, claro, estavam muito lá atrás, ainda em outra parte da cidade.

E foi assim que, naquele 29 de agosto de 2004, me vi com uma mochila nas costas, revezando-me com os colegas no transporte de câmeras e tripés, correndo os quilômetros finais da maratona olímpica. E sob gritos de incentivo e aplausos entusiasmados do público que estava nas calçadas. Taí a foto tirada pelo Alex que não me deixa mentir.

Maratona
Fábio Seixas “correndo” a maratona em Atenas (Crédito: Alex Müller)

Berço de atletas ancestrais, ícone da perfeição grega, tempo sagrado do esporte, o Panathianaiko foi profanado naquele domingo por um grupo de brasileiros ofegantes, trôpegos e mal ajambrados que ali entraram correndo, literalmente à frente dos fatos.

“E aí? Em que quilômetro eles estão? Vanderlei ainda está lidando?”, perguntei ao Dias, pelo celular, assim que recobrei o fôlego. “Cara, você não vai acreditar”, ele respondeu. Só então soubemos da intervenção do infame irlandês Cornelius Horan, que invadiu a prova, agarrou Vanderlei a 6 quilômetros da linha de chegada e arrasou com suas chances de vitória.

Minutos depois, finalmente os atletas de verdade chegaram ao estádio, com Stefano Baldini liderando pelotão. O italiano levou o ouro. 

Vanderlei ficou com o bronze, mas entrou para a história. Naquela noite, foi o atleta mais aplaudido na cerimônia de premiação no Estádio Olímpico. Meses depois, recebeu a medalha Pierre de Coubertin, maior honraria conferida pelo Comitê Olímpico Internacional. Jamais será esquecido.

Já este repórter ganhou algumas páginas de jornal para escrever naquele domingo. E um causo para contar pela vida toda.


Fábio Seixas

O Portal dos Jornalistas traz neste espaço histórias de colegas da imprensa esportiva em preparação ao Prêmio Os +Admirados da Imprensa Esportiva, que será realizado em parceria com 2 Toques e Live Sports, no segundo semestre.

A história desta semana é de Fábio Seixas, diretor de Conteúdo na LiveSports, colunista do UOL e comentarista da TV Cultura. Antes passou por Rádio Trianon, Folha de S.Paulo, Grupo Globo e DAZN

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