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sábado, novembro 23, 2024

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Carta a Ari Cipola, onde quer que esteja

Por um justo motivo, esta semana tomamos a liberdade de furar a pequena fila de colaborações que temos para este espaço. A propósito do julgamento dos ex-seguranças de PC Farias na semana passada, pedimos a Mário Magalhães ([email protected]), autor de Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo, autorização para reproduzir um texto que ele publicou em seu blog no último dia 11 de maio.

Ele próprio contextualiza: “Em 1999, Ari Cipola, Paulo Peixoto e eu, então repórteres da Folha de S.Paulo e da Agência Folha, cobrimos a reabertura das investigações sobre as mortes de Paulo César Farias e Suzana Marcolino, ocorridas em 1996. A rigor, publicamos as informações que impediram o arquivamento do processo e fizemos a cobertura do ‘novo’ inquérito policial. Nosso trabalho foi reconhecido com alguns prêmios jornalísticos. Na semana passada, quatro ex-seguranças de PC foram julgados por causa dos homicídios. No meu blog no UOL (http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br), escrevi sobre o julgamento. Ao conhecer o veredicto, comentei-o veiculando uma carta para Ari, morto de causas naturais aos 42 anos, em 2004. Ari foi um tremendo repórter e um grande sujeito. Quando Jornalistas&Cia pediu para republicar a carta, fiquei feliz: conhecer a história do Ari só há de fazer bem às novas gerações de repórteres.”

Carta a Ari Cipola (1962-2004)

Onde quer que esteja Salve, Ari, quanta saudade. Já são nove anos, desde aquele fim de manhã, começo de tarde, quando nos despedimos de ti no cemitério em Maceió, depois de o teu coração te pregar uma peça. Não faço ideia de se onde estás as notícias chegam rápido, por isso trato de contar as novidades. Terminou ontem à noite o julgamento relativo às mortes de Paulo César Farias e Suzana Marcolino. Sim, demoraram 17 anos para julgar, e os meus tímpanos tremem só de pensar no teu vozeirão: “Dezessete anos? Para com isso, Marião!”.

Está aí uma coisa que eu nunca entendi: com o dobro do meu tamanho verticalmente e o triplo na horizontal, és tu que me chamas de Marião, e eu jamais te trato por Arizão. Um dia a gente conversa, e tu me explicas isso melhor. Os jurados decidiram que não houve o tal crime passional alardeado pela polícia em 1996, com o endosso de uma turma de peritos que bancou a versão de que Suzana teria assassinado PC e depois se suicidado. O júri popular concluiu que houve duplo homicídio, mas não puniu os quatro réus, aqueles policiais militares e seguranças do PC que tu conheceste.

Achei que gostarias de saber que não foi em vão o teu esforço, farejando pistas e revelando informações que contradiziam a versão oficial de 1996 sobre o crime. É isso mesmo: de acordo com a Justiça, o PC e a Suzana foram assassinados. Ela não deu um só tiro na madrugada ou na manhã de 23 de junho de 1996. Minha opinião sobre a absolvição? Acabei de escrever um artigo sobre isso. O juiz falou em “clemência”. É difícil acreditar que os PMs não tenham ouvido os disparos, mas, se condenados, haveria um incômodo: a punição de peixes pequenos, sem a identificação do mandante. Embora o júri tenha visto o óbvio, as provas ululantes de duplo homicídio, o julgamento consagrou a impunidade: a Suzana e o chapa do Collor foram mesmo eliminados, mas ninguém pagará por isso.

A culpa não é do júri, mas de uma “investigação”, assim, com aspas, em que, no calor do fato, antes de apurar, algumas autoridades já bradavam a tese de crime passional. Ok, sei que sabes disso tudo muito mais que eu. O laudo da equipe do Badan Palhares? O júri popular rejeitou-o, adotando o parecer da equipe do Daniel Muñoz, o legista, e do Domingos Tochetto, aquele gaúcho de sotaque italiano, especialista em balística forense. Imagino que devas estar recordando o perrengue que foi ficar, tu e a tua família, protegido pela Polícia Federal e a Polícia Militar por tanto tempo, depois das intimidações à época da reviravolta no caso, em 1999. Mas eu queria dizer, reitero, que valeu a pena tu não bajulares peritos, não te submeteres às primeiras versões oficiais, preferindo buscar dados novos, exercendo o trabalho do magnífico repórter que és.

A propósito, Ari, tem uma rapaziada de talento despontando na reportagem, mas tu fazes muita falta. Sei que poucos anos depois do Caso PC resolveste largar o jornalismo. Lamentei, mas respeitei a decisão. De todo o modo, tomara que cada vez mais jovens jornalistas conheçam os trabalhos que fizeste. Não haverá melhor inspiração. O Paulo Peixoto, nosso companheiro naquelas investigações de 1999, manda um abraço. Estivemos juntos outro dia, em BH. Continua igualzinho, o tempo tem sido generoso com ele. O Paulo escreveu na Folha uma análise sobre o episódio, talvez tenhas lido. Vou me despedindo, para ficar com a criançada. Depois do Caso PC, como sabes, ganhei uma segunda filha, tão adorável quanto a primeira. Quem não conheces é o caçula, que chegou depois daquela nossa despedida em Maceió. Ontem à noite eu falei de ti para ele, que começou a conhecer a tua história. É isso aí, Ari: enquanto houver quem se lembre da gente depois da partida, nunca morreremos. Abração do velho amigo que não te esquece, Mário

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