Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Era uma vez uma startup de mídia digital campeã, aberta em 2013 por um jornalista negro, filho de pais jamaicanos, com passagens por grandes redes de TV, tendo ao seu lado um matemático formado em Harvard egresso do Goldman Sachs.

Em oito anos, captou US$ 70 milhões e empregou 75 profissionais na produção de podcasts, séries e eventos, chegando a ganhar um Emmy.

Mas a carruagem da americana Ozy Media transformou-se em abóbora em 26 de setembro, quando o New York Times desvendou uma teia de mentiras por trás do sucesso da empresa, que de tão absurda parece ter saído das páginas de um livro.

Carlos Watson e Samir Rao criaram uma farsa, inflando métricas de audiência e vendendo ilusões em torno de seus produtos para encantar investidores. Rao chegou a passar-se por um executivo do YouTube em uma conferência telefônica com um banco em fevereiro do ano passado, elogiando a performance da Ozy.

Samir Rao (Crédito: Ozy Media)

Na semana passada, nomes de peso deixaram a empresa, como a ex-âncora da BBC Katty Ray, com apenas três meses de casa. O investidor bilionário Marc Lasry renunciou à presidência dizendo que a empresa precisava de experiência em gestão de crises − um diagnóstico preciso.

Diante do tsunami, Watson anunciou em 1º/10 que a Ozy, fecharia. Mas em uma entrevista para a CNBC na segunda-feira (4/10), disse que tinha sido uma “decisão prematura”, referindo-se a “conversas produtivas com assinantes e investidores” para mantê-la de pé.

Se conseguir, será um desfecho de conto de fadas.

E não se deve duvidar, porque por muitos anos eles convenceram até grandes players do setor, gente experiente em analisar negócios de mídia. Em 2014, o grupo alemão Axel Springer, que há algumas semanas comprou o Politico, aplicou US$ 20 milhões na Ozy.

Seria a única?

A história provocou comentários em veículos especializados sobre o risco de a Ozy não ser a única a usar recursos para inflar audiência. Só que alguns são lícitos, outros não.

E vai ser difícil encontrar outra empresa capaz superar em ousadia o que Watson e Sam fizeram.

A farsa em que Samir Rao passou-se por Alex Piper diante do Goldman Sachs talvez seja a maior delas. Não colou porque alguém desconfiou da voz e confirmou com o Piper verdadeiro que ele não estava na conversa.

A justificativa foi que Rao teve uma “crise de saúde mental”. E o banco não efetivou o aporte de US$ 40 milhões.

Entretanto, o investimento continuou sendo apregoado para outros investidores, um aval de peso que levou a LifeLine Legacy a colocar US$ 2 milhões na Ozy. Na semana passada, a gestora de fundos com sede na Califórnia abriu um processo de fraude.

Essa não foi a única fantasia.

Uma das revelações foi que Watson mentiu ao afirmar que o casal Ozzy (cantor) e Sharon Osbourne investiu na empresa, quando na realidade eles apenas possuíam ações. E ainda moveram um processo em torno do nome do festival promovido pela Ozy, o Ozy Fest.

Outra farsa foi a de que a empresa estaria produzindo um show para a A&E. O programa foi veiculado somente nos canais próprios.

Na entrevista à CNBC, Watson tentou consertar: disse que o show tinha sido concebido para a A&E, mas um conflito de horários teria mudado os planos.

O Times revelou ainda que a Ozy apresentava seu próprio talk-show como “o primeiro na Amazon Prime”. No entanto, o programa chegava à plataforma por meio de um serviço que não recebe promoção da Amazon.

Ao tentar minimizar ou justificar as acusações, sobrou para a imprensa, claro. Carlos Watson criticou o New York Times por ter exposto seu sócio, alegando que o caso da conferência com o banco era um problema de saúde mental já superado.

E ao prometer a volta da empresa, apelou para uma passagem bíblica. Disse que a Ozy tem muitas coisas a melhorar, e que este será seu “momento Lázaro”, em alusão ao homem ressuscitado por Cristo.

Ele vai mesmo precisar de um milagre para conquistar a confiança de empregados, investidores e do mercado, que depois do episódio tendem a ficar mais alertas diante de um príncipe encantado rico em audiência.

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