Após quase dois anos de inquérito, o Ministério Público do Estado de São pediu o arquivamento do caso de um policial militar que atirou à queima-roupa com uma arma de bala de borracha contra o repórter fotográfico Daniel Arroyo, da Ponte Jornalismo. O caso ocorreu em janeiro de 2019 durante uma manifestação do Movimento Passe Livre, na Avenida Paulista.
Investigações feitas pelas polícia Civil e Militar deixaram de identificar os responsáveis pelo disparo e a justiça de São Paulo decidiu pelo arquivamento do inquérito. “Eu tenho a foto e o vídeo do PM que atirou em mim”, explica Daniel. “Mesmo de máscara, havia uma identificação alfanumérica, que mesmo não dando para ver na totalidade nas imagens, uma investigação mais criteriosa poderia concluir quem foi o autor do disparo”.
Além da não identificação do policial, outra justificativa dada pelo capitão Daniel Lourenço Kimura, da PM paulista, é que o policial não teve a intenção de atirar no fotógrafo, mas em um manifestante que tentou retirar um amigo que estava em poder da Caep (Companhia de Ações Especiais), que reprimia a manifestação naquele dia.
“A vítima acostou aos autos as fotografias dos averiguados, contudo, analisando as referidas imagens, não verifiquei, nas vestes dos averiguados, a existência de dados de identificação que pudessem ensejar o esclarecimento da autoria delitiva, razão pela qual a diligência restou prejudicada. Ante o exposto, à míngua de provas suficientes de autoria delitiva, requeiro o arquivamento dos autos, no tocante ao delito de lesão corporal”, decretou em seu pedido de arquivamento do caso a promotora Regiane Vinche Zampar Guimarães Pereira. O pedido foi acatado pelo juiz José Fernando Setinberg em março deste ano. Antes, em novembro de 2019, a promotora Rafaela Trombini havia pedido o arquivamento da acusação de abuso de autoridade contra o PM, que foi acatado pelo juiz José Zoéga Coelho.
Vale lembrar que na época do ocorrido, o governador João Doria (PSDB) se manifestou, através de nota, dizendo ser solidário aos jornalistas. “O Governo de São Paulo defende a liberdade de imprensa como um direito fundamental para o pleno funcionamento da democracia e esclarece que a Polícia Militar instaurou um inquérito para apurar as condições em que aconteceu o caso”.
Vice-presidente da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Guilherme Alpendre, lembra que nas manifestações é essencial que os agentes de segurança possam ser facilmente identificados, para que casos como o de Daniel e não fiquem impunes. “A Polícia Militar do estado de São Paulo reiteradamente viola direitos de jornalistas, em especial durante coberturas de manifestações. Uma das razões para que esse comportamento não cesse é a impunidade. É imperioso que todo agente fardado possa ser facilmente identificado: o controle social dos agentes públicos é uma premissa do Estado Democrático. Infelizmente, casos como esse tendem a se repetir caso a impunidade siga sendo a regra.”
Norian Segatto, diretor do Departamento de Saúde, Previdência e Segurança da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), corrobora que havia meios para identificar o policial que fez o disparo e, mesmo com a investigação não chegando ao autor dos tiros, era necessário punir seus superiores. “A instituição Polícia Militar e o comandante da operação deveriam ser responsabilizados pelos atos. Atitudes como essa, que levam à impunidade, só contribuem para o aumento da violência policial contra profissionais de imprensa, movimentos sociais e manifestantes”.
Em nota, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), disse que “infelizmente, o caso de Daniel não é uma novidade para os profissionais de imprensa e, especialmente, para os repórteres fotográficos. Ao não realizar a devida apuração e responsabilização dos agentes de Estado que cometem atos de violência, as autoridades legitimam, na prática, o impedimento contra o livre exercício jornalístico e a garantia de que os profissionais realizem seu trabalho com segurança”.
Procurada pela reportagem da Ponte, o ouvidor das Polícias de São Paulo, Elizeu Soares, destacou que o Estado deveria repensar os instrumentos que utiliza nas manifestações para que episódios como esse não voltem a ocorrer. “É lamentável que infelizmente não foi identificado quem fez isso. O Estado deveria indenizar o jornalista e pensar qual seria o tipo de armamento seria mais adequado para esses atos.”