Por Marcus Lopes
Por quase dez anos tive como vizinho de mesa um sujeito que era mais do que um repórter: era uma instituição jornalística. Perdemos o Mauro Mug, vulgo Mauro Carvalho da Silva. Repórter dos bons, pai zeloso, avô amoroso e amigo de todos. Mug era tudo isso e muito mais. Naquela época, anos 1990, a redação do Estadão tinha mais de 500 jornalistas apenas na sede em São Paulo. E Mug conhecia todo mundo. E era amigo de todo mundo. E todo mundo era amigo do Mug.
Gordinho bem-humorado, cavanhaque inconfundível e suspensórios. Mas a marca do Mug era o bom humor e suas histórias inesquecíveis. Que ele contava rindo, sem se importar se iam rir da história, dos personagens ou dele mesmo. Mug participou de coberturas memoráveis do jornal, fez grandes reportagens e era um dos maiores conhecedores do sistema hídrico de São Paulo. Já escrevia sobre crise hídrica muito antes de o tema virar pauta obrigatória nos jornais.
São dezenas de boas histórias com o Mug. Uma delas foi na máfia dos fiscais, quando ele me substituía, de vez em quando, na cobertura do Departamento de Identificação e Registros Diversos (Dird), da Polícia Civil, onde se concentravam as investigações policiais do maior esquema de corrupção já investigado na cidade de São Paulo. O delegado era Romeu Tuma Júnior, o Tuminha, que tratava bem os jornalistas, mas tinha de ter tato para lidar com ele. Eu dizia: “Mug, pelo amor de Deus, o Tuma é tranquilo, só não fica perguntando da família dele, pois ele não gosta de falar sobre questões pessoais”. E ele: “Pode deixar, garoto!”. Mug me chamava de garoto até agora, apesar dos meus quase 50 anos. Bom, Mug chegou na delegacia, cumprimentou o Tuma Jr. e, para quebrar o gelo com o delegado, tascou a primeira pergunta: “E seu irmão, como vai?” Tuma riu, respondeu numa boa e não falou nada. Ninguém era capaz de brigar com o Mug.
Outra vez, na redação, Mug tinha feito uma cobertura de reajuste de IPTU. O editor de Cidades era o Roberto Gazzi. Mug fez uma tabela complicadíssima com dados da Prefeitura que nem ele próprio entendeu. A subeditora Irene Ruberti chegou e, docemente, na boca do fechamento, tentou entender os números, chamou o Mug e me chamou, pois eu cobria Prefeitura e Câmara. Olhamos para ele como quem diz “e aí, Mug?”. Ele olhou a tabela, olhou para nós e, já com a pastinha na mão para ir embora, respondeu tranquilamente: “Sei lá…” Pegou a pastinha e foi andando tranquilamente pelo corredor rumo à saída. Rimos todos e, no outro dia, ninguém lembrava da tabela.
Numa época em que não havia celular, Mug fazia matérias de estradas congestionadas, com personagens, sem sair da redação. Um dia, Irene perguntou: “Mug, o que é isso, você inventou esses personagens? Como você pode ter entrevistado as pessoas que estão lá se você está aqui?”. E ele: “Não, muito simples: eu pedi para o guarda rodoviário sair perguntando quem queria dar entrevista para o Estadão”. Todo mundo atendia o Mug, até os guardas rodoviários e pessoas presas no congestionamento na saída do feriadão.
Mug tinha grandes amigos, como Alberto Luchetti, Fernando Lancha, Renato Lombardi e outros que, com certeza, têm histórias com o Mug muito melhores do que as minhas. Mas não podia deixar passar em branco a saudade que vamos sentir a partir de agora do Muguinho.
Mug tinha uma alegria enorme, um talento enorme, um bom humor enorme, um amor pela família enorme, enfim, tudo era enorme no Mug. Mas enorme mesmo será a lacuna e a saudade que ele deixa. (Ver Jornalistas&Cia edição 1334, página 12)
A história desta semana é de um estreante no espaço: Marcus Lopes, jornalista com 29 anos de carreira e passagens por redações como Jornal da Tarde, O Estado de S. Paulo, Diário do Comércio e Valor Econômico. Atualmente é um dos editores da Agência EY de notícias, parceria da EY com a InPress PorterNovelli.
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