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quinta-feira, novembro 21, 2024

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“Aprendi a ser jornalista no Brasil”, diz o francês Edouard Bailby

Nicolas Tamasauskas, ex-Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo, que passa uma temporada de estudos em Paris, entrevistou para Portal dos Jornalistas Edouard Bailby, repórter francês que começou a carreira em jornais do Rio no final dos anos 1940.

Aos 84 anos, relembrando episódios de uma carreira vivida parte na França e parte no Brasil, ele organiza seus arquivos para fazer um livro de memórias a partir do extenso material que produziu para diferentes veículos, como os brasileiros Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Semanário e Gazeta de Notícias, além dos franceses Le Monde e as revistas Marianne e L´Express.

Depois de sua experiência no Rio ele se firmou como jornalista especializado em política internacional, viajando bastante e também produzindo análises a serviço de publicações francesas – sobre o regime de Franco, na Espanha, guerras coloniais na África e a União Soviética e outras histórias. Também produziu conteúdo sobre a América Latina e outros países para os Cadernos do Terceiro Mundo.

Bailby, que vive hoje em Paris, já publicou, entre outras obras, Niemeyer par lui-même (Niemeyer por ele mesmo, resultado de entrevistas feitas com o arquiteto no início dos anos 1990), Cuba e Samambaia – aventuras latino-americanas.

A seguir, os principais trechos da entrevista: “Aprendi a ser jornalista no Brasil”

“Vivi a ocupação da França pelos nazistas, e naquela época me sentia muito ‘encurralado’. Havia a sensação permanente da ocupação, e não tínhamos liberdade de fato. Estudei no Liceu Louis Le Grand, em Paris, até hoje considerado o melhor da França, e era ótimo aluno em línguas. Após a guerra, resolvi me corresponder por carta e cheguei a trocar correspondência nessa época com cem pessoas do mundo, sobretudo garotas (risos) e estava ali plantada a semente da ideia de ser correspondente internacional. Aos 19 anos, resolvi viajar o mundo e embarquei num navio para a América Latina. Com 50 dólares no bolso e apenas o visto de trânsito no Rio de Janeiro, consegui hospedagem na Casa do Estudante. Tive o apoio de Álvaro Lins, que era escritor, e também de Paschoal Carlos Magno, diretor da casa. Logo consegui escrever alguns artigos para o Correio da Manhã, e isso era formidável para um rapaz dessa idade. Na imprensa no Rio de Janeiro é que fui formado.”

A imprensa no Rio nos anos 1950

“Desenvolvi muita experiência como repórter. Naquela época no Brasil o repórter escrevia sobre tudo. A Última Hora do Samuel Wainer e outras experiências na época, em que se convivia com figuras muito inteligentes, foi onde eu me formei, onde aprendi a exercer o ofício, e isso me marcou por toda a trajetória profissional. Depois, de volta à França, trouxe a grande experiência que os jornais do Rio me proporcionaram. Uma experiência muito interessante era a de responsável pela cobertura e entrevistas com personalidades que circulavam pelo Galeão. Entrevistei muita gente que passava pelo aeroporto em visita ao Brasil. Lembro de uma entrevista com Sammy Davis Junior, o cantor norte-americano, e ele estava completamente de porre.”

Denunciando a tortura

“Uma vez, em 1969, fiz uma reportagem para o L´Express contando que no Brasil havia tortura deliberada, e deu uma grande confusão. O Exército me acusou de ser um agente a serviço da contrapropaganda do Brasil na Europa. Pouco depois eu faria outra viagem ao Rio e senti que correria algum risco. Avisei a todos os amigos no Brasil o horário em que chegaria e fiz saber na França que se algo acontecesse, se eu fosse preso, isso deveria ser imediatamente publicado. Na época, as ditaduras latino-americanas temiam as informações que circulassem na Europa.”

A fonte “quente” no regime de Franco

“Sempre consegui conversar com todo mundo, e isso muitas vezes me ajudou a escrever boas reportagens. Na Espanha do ditador Francisco Franco, para a qual eu chegava a viajar até 20 vezes em um mesmo ano, fiz uma fonte que era um sobrinho do ditador, que por sinal tinha exatamente o mesmo nome que ele. Certa vez surgiu um boato de que o Franco estava com um problema grave de saúde, internado por conta do coração e alguns jornais publicaram que ele poderia morrer. Mas por ter acesso a alguém próximo dele, consegui mostrar a verdade.”

Aos jovens jornalistas

“Na vida você precisa ter paixão por fazer algo, tem que ser atraído por alguma coisa. Eu sempre tive paixão pelo jornalismo e pelas histórias. E sempre achei que preciso escrever melhor. Até hoje acho. Leio muito, gosto de escrever e estou sempre pensando que posso escrever melhor.”

Organizando arquivos

“Tenho muitas coisas publicadas ao longo de todos esses anos. Estou organizando e acho que escrever um livro que coloque ordem em uma vida de jornalista pode ser uma boa forma de preservar essas memórias, que permitam ler o que eu escrevi e também quem eu sou e porque escrevi essas reportagens.”

Homem de esquerda

“Sempre fui de esquerda e para mim o conceito de esquerda não se perdeu, como às vezes dizem por aí. É preciso que o mundo mude e melhore.”

 

(*) Nicolas Tamasauskas ([email protected]), que até junho trabalhava na Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo e foi da equipe de campanha de Fernando Haddad, está em Paris para uma temporada de estudos. Além de estudar francês na Sorbonne, tem acompanhado seminários sobre política e comunicação nessa universidade e também na Sciences Po. Está disponível para frilas.

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