Por José Paulo Lanyi

 

Ele fala, fala, mas ninguém parece querer escutá-lo. Não é de hoje que Arnaldo Jabor vem a público exorcizar a autoria de textos que nunca escreveu e que fazem sucesso na internet. “Ou mentem para me incriminar ou admiram-me pelo que eu teria de pior; sou amado pelo que não escrevi”, diz o jornalista e cineasta, em um desses seus artigos que rescendem a impotência, no jornal O Globo.

Atribuem-lhe passagens como esta:

“Por que comprar a vaca, se você pode beber o leite de graça? Aqui está a novidade para vocês: hoje em dia 80% das mulheres são contra o casamento e sabem por quê? Porque as mulheres perceberam que não vale a pena comprar um porco inteiro só para ter uma linguiça!”

Em 2004, eu coordenava a produção de rede do Jornal Hoje, na TV Globo/SP. Por vezes, avançava-se nas horas, o suficiente para coincidir com a chegada de Jabor, que nos cumprimentava e se punha a preparar o seu comentário para o Jornal da Globo.

Numa dessas noites, uma editora lhe deu os parabéns, exultante que estava com uma sábia reflexão de seu colega sobre as coisas da vida. “Mas eu não escrevi isso”, protestou ele. “Onde está esse texto? Me mostra”.

A moça guardou o sorriso, digitou o título no Google e… “Que bobagem…”, deplorou ele, que, já com o impresso nas mãos, pôs-se de pé e leu o artigo em voz alta. Às vezes, parava, inconformado. “Você acha que eu escreveria isso?”. A editora hesitava, sem graça. “Você acha mesmo que eu escreveria uma bobagem dessas?”.

Para quebrar o constrangimento, recorri ao cinema. “Por que você não volta a produzir?” “Não tenho tempo”, ele respondeu. “O jornalismo me paga as contas. Como é que eu vou me afastar?”.

Passamos, os três, a falar sobre suas obras. Ele fez uma autocrítica, rechaçou as pornochanchadas e declarou sua predileção por Eu sei que vou te amar, drama de 1986 protagonizado por Fernanda Torres (que por esse trabalho recebeu o prêmio de melhor atriz em Cannes) e por Thales Pan Chacon (que faleceu em 1997). Jabor se orgulhava do roteiro que escrevera. “Sabe o que é segurar um filme inteiro só com diálogos dentro de um apartamento?”.

Conversa vai, conversa vem, comentei com ele: “Você já viu umas comunidades no Orkut em sua homenagem? Tem umas outras também, como ‘Eu odeio o Arnaldo Jabor!’. E ele: “É mesmo? Eu quero ver”.

Abri, para começar, uma do gênero “Eu amo…”.  Mas Jabor se impacientou. “Essa não me interessa! Quero ver as que falam mal!”. Achei aquilo engraçado e cliquei nas páginas que acabavam com a sua raça. “Fascistas…”, reagiu, lacônico, com o acento italiano do “sc” original.

Jabor voltou para o seu lugar, e eu insisti: “Você devia filmar”. E ele, que nem sabia o meu nome ou o que eu fazia, saiu-se com esta: “Vamos combinar uma coisa. Eu prometo que, se eu voltar, vou te chamar para ser meu assistente”.

Eu ri e lhe disse que estava combinado. Seis anos depois, quando ele estava para dirigir a A suprema felicidade, comentei com um amigo: “Imagina se eu ligo e falo “Alô, Jabor? Aqui é o Fulano de Tal. Você me prometeu que, se voltasse a filmar, me chamaria para ser seu assistente. Pois é. Aqui estou”.

Hoje eu trabalho, entre outras coisas, como roteirista e produtor executivo de cinema. Desde já eu lhe aviso, Arnaldo Jabor: na primeira você deu sorte. Mas na próxima descobrirei o seu número e lhe cobrarei essa conta atrasada. 

Agora, se não foi com você que eu falei aquele dia, por favor me desculpe este mal-entendido.


Em função da morte de Arnaldo Jabor (ver capa), republicamos nesta edição colaboração de José Paulo Lanyi que saiu em J&Cia 1.038, de fevereiro de 2016. Lanyi é jornalista, escritor, produtor e assessor de comunicação, autor de 12 livros com conteúdo literário e jornalístico. 

Nosso estoque do Memórias da Redação continua baixo. Se você tem alguma história de redação interessante para contar mande para [email protected].

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