Por Luciana Gurgel
Se houvesse uma eleição para escolher o jornalista que mais perdeu em 2021, Chris Cuomo ganharia fácil. Mas ele não foi o único perdedor de uma história que envolve tráfico de influência, assédio sexual e práticas jornalísticas questionáveis.
Saem chamuscadas também a sua empregadora, a CNN, e a instituição imprensa, que vive um declínio de credibilidade com potencial de ser agravado por episódios dessa natureza.
Cuomo perdeu o assento de âncora de um programa no horário nobre devido a uma “consultoria informal” ao irmão Andrew, ex-governador de Nova York, que renunciou por denúncias de assédio sexual.
Perdeu ainda um programa de rádio e um contrato com a HarperCollins para escrever um livro sobre a era Trump.
Consta que briga para tentar receber o restante do contrato com a TV, o que pode ser dificultado pela revelação de que o motivo real da dispensa foi uma denúncia de assédio sexual.
Em uma maré de azar, a emissora teve que administrar ao mesmo tempo o desligamento de seu CEO, Jeff Zucker, e em seguida da diretora de marketing com quem o executivo mantinha um relacionamento “meio secreto”.
No entanto, o motivo da saída de Allison Gollust não foi o romance, e sim seu envolvimento na história dos Cuomo. Ela teria facilitado a vida do ex-governador, para quem já havia trabalhado, acertando o teor de perguntas em entrevistas dadas por ele à emissora.
“Lamestream media”
A CNN é reconhecida pela excelência de seu jornalismo. Mas entrou no alvo de uma parcela dos americanos insuflada por Donald Trump a desacreditar na mainstream media.
O ex-presidente, que passou o mandato espezinhando a emissora, tem deitado e rolado com as confusões que a envolvem.
Até quem é da casa acusa o golpe. No domingo, o comentarista de mídia Brian Stelter, que trocou o New York Times pela CNN, disse que seu empregador vivia uma “bagunça legal”.
Ainda é cedo para medir a extensão dos danos à rede, enfrentando uma crise de governança na reta final da fusão de sua dona WarnerMedia com a Discovery. E perto do lançamento de seu streaming CNN+.
Só que ela não é a única atingida. A crise transborda para o jornalismo dos grandes conglomerados.
Eles reinavam absolutos até serem desafiados pela descentralização da produção de notícias via redes sociais. E pelo que se tornou um pesadelo para editores: a fadiga de notícias.
Fadiga de notícias nacionais
A crise da CNN acontece no momento em que o jornalismo político dos EUA nunca enfrentou tamanho desinteresse.
Uma pesquisa da Fundação Knight e do Gallup publicada esta semana revelou que apenas 33% dos americanos querem acompanhar notícias nacionais.
É a menor taxa da série histórica, bem abaixo da média dos últimos anos, de 46%.
O comportamento não se repete em relação a notícias locais e internacionais, que mantiveram níveis de interesse estáveis.
O problema está nas páginas e programas que tratam de política − recheados de polarização − e de temas nacionais como a Covid, diretamente relacionados a políticas governamentais.
O Gallup acha que pode ter havido uma “síndrome de burnout”, depois de um 2020 com eleições nacionais e uma pandemia inédita, tornando impossível não prestar atenção no noticiário.
Mas a tese não explica a redução de 13 pontos percentuais em relação à mediana.
Essa não é a primeira pesquisa a apontar fadiga de notícias. No entanto, sendo a fadiga associada a um setor do noticiário e não a qualquer tipo de notícia, o estudo sugere a necessidade de repensar a forma como temas políticos estão sendo tratados.
Nesse contexto, a CNN é um símbolo preocupante. Sua crise tem o potencial de aprofundar a desconfiança com o conteúdo. Ou o mero desinteresse, como capturou a pesquisa Knight/Gallup.
Por ironia, Chris Cuomo passou anos tentando desconstruir Donald Trump, apoiado por seu chefe Joe Zucker, responsável pela linha editorial da CNN.
Agora, os dois colocaram involuntariamente lenha sequinha na fogueira acesa pelo ex-presidente para incinerar a mainstream media que tanto o incomodou.
Leia a pesquisa completa em MediaTalks.
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