Hamilton Almeida, incansável pesquisador da vida do padre-cientista Roberto Landell de Moura, inventor brasileiro do rádio, fez numa dessas suas últimas incursões “arquivistas” uma descoberta interessante, que pedimos a ele para registrar neste espaço. Hamilton conta: “Em 1899, o Correio Paulistano publicou um artigo sobre os primeiros repórteres… Tempo em que os jornais cariocas tinham UM repórter e eles faziam estripulias para passar a perna na concorrência. Algumas das estrepolias foram contadas e são engraçadas”. Tinoco, repórter atrevido do século XIX Como nasceu a reportagem no Brasil? Quando foram a campo os primeiros repórteres? O que eles faziam? Essas indagações podem começar a ser respondidas a partir de um antigo artigo publicado no primeiro jornal diário do Estado de São Paulo, o Correio Paulistano. Na edição de 30 de abril de 1899, o cronista Alfredo Camarate – um múltiplo e singular personagem daqueles tempos, como se verá mais adiante – escreveu que “a profissão e o nome de repórter começaram a ser conhecidos no Brasil pelos anos de 1871-1872”. Antes disso, assegurou Camarate, “a notícia – esse ponto mais importante do jornalismo moderno – não tinha a menor importância”. E não tinha mesmo. O argumento é convincente: “Quem folhear a coleção de jornais anteriores àquelas datas encontrará, quando muito, uma ou duas notícias em cada jornal!”. A partir de 1875, a realidade mudou. O lançamento da Gazeta de Notícias, na então Capital Federal, foi seguido do aparecimento de outros jornais. O aumento da concorrência estimulou, naturalmente, a busca de notícias. Estava aberta a porta para os repórteres de raça. Foi então que “a administração do Jornal do Commercio viu-se na necessidade de ter também o seu repórter e empregou, para esse fim, um empregado da redação chamado Tinoco, moço muito vivo, bem relacionado e que tinha uma vantagem sobre os `reporters` do seu tempo: redigia uma notícia com toda a elegância e correção”. Fundado em 1827, o Jornal do Commercio do Rio de Janeiro circula até hoje. O JC “tinha apenas um empregado encarregado de apanhar notícias”. E esse serviço tinha um viés bem oficial. Limitava-se, quase que exclusivamente, a ir buscá-las nas diversas secretarias de Governo e nas “repartições” de Polícia. Repórter forjado na prática, ou na marra, já que não havia experiência anterior do gênero, Tinoco foi desenvolvendo os seus próprios métodos de colher notícias… A sua base de operações era a porta do Jornal do Commercio. Por volta das 9h e, sobretudo, às 16h, lá estava ele. Ficava esperando os funcionários públicos que entravam e saiam das repartições. Sem a menor cerimônia, ele chamava qualquer empregado público para conversar. Logo, os repórteres de outros jornais começaram a fazer algo que lembrava o estilo de jornalismo norte-americano: procurar os ministros e demais funcionários nas repartições e em suas casas. Quando Tinoco começou a perceber que todos os seus companheiros de classe estavam lhe passando a perna, resolveu fazer a mesma coisa. Estava nascendo o jornalismo das notícias comuns? Sim e não. O “furo” já exercia fascínio na categoria. Foi assim, conta Camarate, que “um repórter teve acesso a um banquete político secreto metido dentro de uma grande cesta de pão”. Tinoco não deixou por menos: assistiu a uma sessão do conselho de Estado escondido atrás de uma cortina! De ousadia em ousadia, Tinoco chegou ao ponto de roubar os telegramas que recebia o Globo, “que eram muito mais importantes que os que recebia o Jornal do Commercio. Durante muito tempo, Tinoco conseguiu obter os telegramas do Globo para os publicar na sua folha”. Atenção leitor: não confundir esse antigo Globo com o atual jornal O Globo, da família Marinho, que circula “apenas” desde 1925. A redação de o Globo tentou “por todos os meios” descobrir o que estava acontecendo. Quem era o traidor? Todas as investigações “foram infrutíferas”. Parecia um crime perfeito. Até que, cansados da roubalheira, alguém teve a ideia de forjar um telegrama internacional. E “o Jornal do Commercio caiu na ratoeira…”. No dia seguinte, “o Globo desmascarou a patifaria”. Para desgosto de Tinoco, um dos primeiros repórteres; o repórter a qualquer preço. Sem pudor! Alfredo Camarate teve a iniciativa de registrar a história de Tinoco, que se confunde com o início da reportagem no País. Camarate nasceu em Lisboa, em 1840, e estudou no Reino Unido. Foi engenheiro-arquiteto, jornalista e músico. Chegou ao Brasil em 1872. Morou no Rio de Janeiro, onde trabalhou como inspetor de ensino do Imperial Conservatório de Música. Compunha peças para piano, tocava flauta e era crítico musical do Jornal do Commercio. O professor de história Pedro de Castro Lüscher, autor de Alfredo Camarate: República, civilização e patrimônio – As crônicas jornalísticas de uma Belo Horizonte em construção, apurou que, como jornalista, Camarate colaborou com vários jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Sabará e Buenos Aires, sob os mais diversos pseudônimos. Como engenheiro, integrou a Comissão Construtora da nova capital do Estado de Minas Gerais. Paralelamente, escreveu e publicou a série de crônicas Por montes e vales, relatando as mudanças que ocorriam no pequeno arraial de Belo Horizonte. Foi um dos primeiros cronistas da imprensa brasileira. Faleceu em São Paulo, em janeiro de 1904.