Fazer uma comunicação “com a cara do Brasil”. Esse é o papel da inclusão racial na TV, segundo Maria Gal. Estreando como apresentadora, ela está à frente do Preto no Branco, programa de entrevistas focado no protagonismo negro que discutirá a inclusão racial em diferentes espaços. Com seis episódios, a primeira temporada da produção independente estreia nesta quinta-feira (26/5), às 23h30, pela BandNews TV.
Um diferencial da produção é que a diversidade está também atrás das câmeras: mais da metade da equipe é formada por pessoas negras, além de lideranças femininas, como Kelly Castilho, diretora do programa.
Entre os convidados estão Liliane Rocha, Lia Schucman, Teo Van Der Loo, o jogador Aranha, Renato Meirelles, pastor Henrique Vieira, Joana Mendes, Erica Malunguinho e Gabriela Mentes.
Em entrevista ao Portal dos Jornalistas, Maria Gal falou sobre a atual situação do negro no audiovisual brasileiro, as motivações para a criação do novo programa, e sobre a importância da diversidade racial na comunicação. Confira a íntegra:
Portal dos Jornalistas – Atualmente, qual a situação do negro no audiovisual brasileiro? O que você vê como conquista e o que falta para termos mais equidade nessa área?
Maria Gal – Antes de falar como que está o profissional negro nessa área do audiovisual hoje, é importante lembrar que a gente está falando de um setor, o audiovisual, que é um dos que tem o maior PIB no Brasil. Maior que o da indústria farmacêutica, inclusive. E a situação hoje do profissional negro é que está no início de uma caminhada, de uma mudança. Estamos falando de um setor que tem a maioria branca, e homens brancos principalmente, nas posições de maior poder. Falo de produtores, diretores, roteiristas, quem assina os cheques. Enquanto o profissional negro, pensando em quem está à frente das câmeras, como atrizes e atores negros, eles ficam à mercê desse olhar do outro, que muitas vezes é estereotipado, até racista, em relação ao tipo de personagens que os atores e que as atrizes podem fazer. Existe uma pesquisa da Ancine que demonstra isso, feita, se não me engano, em 2017, e ela mostra que, dos filmes produzidos no Brasil, apenas 4,4% tinham atrizes negras no protagonismo. Na função de diretores, roteiristas, e produtores, [o número] era ínfimo, a porcentagem quase não aparecia no gráfico, de tão baixa.
É claro que está mudando, e essa mudança está vindo de forma um pouco mais contundente após o assassinato de George Floyd. Então é importante lembrar que, infelizmente, para a gente ter uma mudança mais contínua como estamos vendo agora, teve que acontecer um fato tão cruel como aquele para o mundo se mobilizar, para as empresas mundiais se mobilizarem. Então, o que eu posso dizer é que a gente está no início de uma caminhada, e que precisamos de mudanças urgentes, rápidas, e mais radicais.
PJ – O que vocês prepararam para este novo programa? E o que esperam alcançar com ele?
MG – Esse programa veio justamente após o assassinato do George Floyd. Primeiro eu ocupei a rede [social] da atriz Bianca Bin, fazendo algumas entrevistas lá. E conversando com uma amiga, que foi a Rosane Svartman, veio essa ideia da importância de continuar essas entrevistas. Também me inspirei em alguns programas norte-americanos, um deles, o da Oprah, que é o The Oprah Conversation. O objetivo é educar a nossa sociedade. A gente viveu o mito da democracia racial por longos anos, e ainda tem muita gente hoje que acredita na meritocracia e no mito da democracia racial, então o que a gente quer é educar, letrar a sociedade. Cada episódio terá um tema diferente e trará um entrevistado, negro ou branco, que tenha um trabalho consistente a respeito do tema da diversidade. Eles falarão para podermos debater e escutar, é um programa que propõe o diálogo, e para isso, é de extrema importância que as pessoas estejam na escuta.
PJ – Você tem aplicado a inclusão na prática, em sua produtora, contratando uma maioria de profissionais negros. Muitos gestores alegam que é difícil fazer isso. Você concorda? O que é preciso fazer para ter uma equipe realmente diversa?
MG – A mudança em qualquer empresa tem que vir de cima pra baixo, não tem jeito. São os grandes gestores, os grandes executivos, os líderes, que têm que estar letrados a respeito desse tema. Dizer que “é difícil encontrar profissionais negros qualificados”, a questão é, onde se está procurando? Onde está se fazendo essa busca? Porque profissionais existem, obviamente, o que falta é a oportunidade. E se a gente quer de fato uma sociedade mais justa, com maior equidade, é de extrema importância que esses gestores, esses executivos, líderes, comecem a se reeducar a respeito dessa pauta.
PJ – Quais são os benefícios da diversidade e inclusão racial para a comunicação?
MG – Os benefícios são inúmeros. Desde a questão da empregabilidade, de poder contratar mais pessoas negras para esse setor que é tão complexo, até a gente ter de fato uma comunicação, uma TV, um cinema com a cara do Brasil. As pessoas querem se ver. Às vezes, eu ligo a TV e me sinto na Dinamarca, aliás, ouso dizer, às vezes nem na Dinamarca [risos], porque mesmo nos países nórdicos, a gente tem visto muitas, muitas pessoas negras. Então, a importância desse tema na comunicação é da gente ter uma comunicação real, uma comunicação de fato com a cara do Brasil, onde as pessoas possam se identificar. Ao contrário disso, elas vão fazer como eu faço, eu conheço muitas pessoas que fazem, que é colocar no streaming, num conteúdo que ela de fato possa se identificar, se reconhecer. É o que a gente fala inclusive do black money, se eu não me vejo, não consumo, simples assim. Então, a gente tendo uma comunicação mais inclusiva, onde as pessoas de fato possam se ver, a gente obviamente vai ter uma visibilidade até dos próprios patrocinadores apoiando esse tema e essa causa tão necessária no Brasil e na sociedade. Nesse sentido, para as grandes empresas é uma possibilidade fantástica, podendo trazer mais recursos e mais visibilidade.
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