Por Luiz Roberto de Souza Queiroz
Quando terminei de datilografar − isso mesmo, datilografar, numa máquina de escrever Olivetti − um release para a CBPO, Táta Gago Coutinho pediu um motoqueiro por telefone, entregou o texto e ele se mandou voando para Campinas, onde ficava o canteiro de obras da empreiteira e nossa interface, José Arthur.
Aprovado o texto com as correções feitas pelo engenheiro, o motoqueiro (que então ainda não era chamado de motoboy) voltou a São Paulo, onde o release foi redatilografado e xerocado em várias cópias. O motoqueiro, que ficara esperando, tomando café, partiu à toda para entregar na redação da Folha, do Estadão e do Diário Popular. Como ele conseguiu terminar a distribuição antes da meia-noite, quando os jornais fechavam, a notícia foi publicada e, satisfeitos, mandamos a conta para a CBPO.
O fato é de 1980 e seria corriqueiro, a não ser pelo fato de que, em vez de pagamento, da grana esperada, recebemos uma grande caixa enviada pelo José Arthur com um aparelho esotérico, o fax. Um bilhete explicava que da próxima vez bastaria passar o texto pelo equipamento, sem a correria desenfreada do motoqueiro. E ainda dava uma gozada, perguntando se nós, jornalistas, continuávamos na pré-história da tecnologia.
Nossa velocidade pré-histórica já tinha evoluído muito, entretanto, desde que Hypolito José da Costa lançou o Correio Braziliense original, em 1808. Ele o imprimia em Londres e o enviava como contrabando de navio para o Brasil, onde chegava no mínimo um mês depois.
Por falar em navio, quando uma tromba d´água provocou uma avalanche que quase destruiu Caraguatatuba, no litoral paulista, em 1967, os repórteres tiveram que descer a serra a pé, no meio da lama, alimentando-se de palmito cru cortado na hora e, já com a reportagem, os depoimentos e a descrição do desastre em mãos, perceberam que não havia meios de comunicação para transmitir.
Foi um sabichão, acho que do Jornal do Brasil, que alugou uma lancha, abordou um navio parado ao largo porque os portos estavam sem operar, e conseguiu passar a matéria pelo rádio de bordo. Eu fui um dos menos sortudos que ficaram com o grande furo no bolso, que só foi possível entregar na redação quatro dias depois, quando era notícia velha… e que não foi publicada.
Mesmo quando a imprensa adotava tecnologia moderna, costumava dar xabu na hora de usar. Foi assim na inauguração de Brasília, em 1960, como já contei em outro texto. O Estadão usou um equipamento de telefoto emprestado para passar as fotos no mesmo dia da inauguração de Brasília para São Paulo, mas a telefonista interurbana (é, era preciso pedir a uma telefonista que fizesse a ligação Brasília/São Paulo) achava que os apitos e zunidos transmitidos pela linha eram um defeito da ligação e interrompia perguntando se preferiam que a ligação fosse refeita, com o que no meio da fotografia saía uma tarja preta, correspondendo à voz dela.
Dois anos mais tarde, na Copa do Chile, em 1962, a telefoto quase não pôde ser usada pelo Fábio Salles para enviar os retratos dos gols para a redação, porque, com seu portunhol ininteligível, cismou de pedir um benjamim para ligar três tomadas numa única saída elétrica.
A arrumadeira não entendeu e ele uniu polegar e indicador de uma mão – no sinal de OK – e enfiava e retirava repetidamente o indicador da outra mão no orifício resultante, dizendo que “necessito esto agora mismo, muy necessário”.
O gerente do hotel foi chamado para expulsar o jornalista por assédio sexual, mas acabou entendendo e, do laboratório improvisado numa banheira cheia de fixador, as fotos puderam finalmente migrar – cada uma demorando 10 minutos – para São Paulo.
Problema tecnológico também complexo era trabalhar na Internacional nas segundas-feiras, quando uma cabine inteira da redação amanhecia com de oito a dez metros de notícias enfileiradas sem tirar de papel de bobina. Eram uns dois metros de notícias da France Presse, outro tanto da Reuters, outro ainda da Ansa, da United Press e de outras agências, cada uma com seu telex. Durante a noite as informações em inglês, italiano ou francês – o que explicava a necessidade de tradutoras de plantão – fluíam constantemente dos aparelhos.
Este que vos escreve era uma das ‘vítimas’ que precisava ler rapidamente todas as notícias, jogar fora a maioria, como resultados das corridas de touro da Espanha, para selecionar as que eventualmente mereceriam a honra de serem traduzidas e, quem sabe, publicadas no dia seguinte.
Problema maior era quando, numa época em que satélite era um sonho acalentado por um ou outro maluco da NASA, o cabo submarino que transmitia os sinais dava xabu, um problema que o editor Gianino Carta, pai do Mino, atribuía à publicação, em qualquer página do jornal, do nome do ex-rei da Itália, Vitor Emanuel III.
Apesar de o monarca ter abdicado em 1946, Gianino garantia que nos jornais italianos bastava sair o nome dele para as máquinas engolirem alguns dedos dos impressores e as ramas caírem no chão, misturando todas as linhas de chumbo trabalhosamente fundidas pelas linotipos. O ex-rei era o rei do azar, garantia o jornalista, supersticioso como todos nós.
Voltando ao tema abandonado acima, quando o cabo submarino dava xabu o sinal do telex ficava maluco e em vez de um impulso levar à impressão da letra correta, fazia com que a letra fosse a imediatamente à direita do teclado, se bem me lembro. Em decorrência, a notícia do assassinato, por exemplo, saía grafada como s mpyovos fp sddsddomsyp.
Não dá sequer para imaginar o desespero do jornalista que saía do telex com meio metro de papel de bobina com essa algaravia. Como, porém, nessa época pré-histórica, da qual esse seu criado participou… e com muito orgulho, mercê de anos dentro das cabines de telex, o Alaur Martin pegava a tira de papel com dizeres incompreensíveis e tranquilamente ‘traduzia’ a notícia perdida, trocando cada letra trocada pelo cabo submarino pela letra que deveria ter sido digitada.
Para nós, leigos na criptografia antediluviana, era milagre e quando ele nos devolvia a notícia reescrita de forma legível, só não o beijávamos porque o gesto seria mal interpretado. Mas que ele merecia, merecia.
A história desta semana é novamente de Luiz Roberto de Souza Queiroz, o Bebeto, assíduo colaborador deste espaço, que esteve por muitos anos no Estadão e hoje atua em sua própria empresa de comunicação. Ele diz que este foi feito a quatro mãos, com a esposa, Táta Gago Coutinho. “Explico: a gente conversava, ela foi lembrando os temas e eu correndo atrás, para digitar”.
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