Por Luciana Gurgel
Um novo relatório da ONG britânica Hope Not Hate sobre a extrema-direita no Reino Unido, lançado esta semana, traz um capítulo dedicado a um “coach do Campari” em escala global, o influenciador misógino Andrew Tate.
O documento, State of Hate 2023, examina temas como ódio a migrantes, teorias conspiratórias, terrorismo e movimentos anti-LGBTQIA+.
Tate é apresentado como o mais grave exemplo do uso da internet para manipular audiência e ganhar dinheiro fazendo mal à sociedade. Ele está preso na Romênia por acusações de estupro, tráfico humano e crime organizado.
Nascido nos EUA, mas criado em Luton, perto de Londres, área onde residem muitos imigrantes, o influenciador começou como lutador de kickboxing e ficou famoso em 2016 participando do Big Brother. Foi expulso depois do surgimento de um vídeo em que aparecia batendo na namorada.
O que para alguns seria devastador virou uma oportunidade que ele soube aproveitar, criando uma persona que se tornou ícone para comunidades anti-feministas.
Andrew Tate não é o único a fazer isso. Mas foi mais longe do que muitos que tentaram.
Em 2022, tornou-se a pessoa mais buscada no Google. Seus vídeos no TikTok alcançaram 11 bilhões de visualizações, promovendo desprezo a mulheres, racismo e homofobia em uma atmosfera de luxo e riqueza, com casas e carros de luxo.
Sua suposta fortuna (que alguns duvidam que seja tão grande) veio de vídeos pornográficos. Ele também percebeu que a ilusão de dinheiro fácil era um filão, e criou uma “universidade” online para ensinar “estudantes” a manipular mídias sociais, repostar seu conteúdo e também ficarem ricos.
O misógino foi banido das redes em agosto passado, quando ONGs como a Hope Not Hate soaram o alarme. Só que não adiantou − e isso mostra a fragilidade dos controles das plataformas.
Seus seguidores, que ele chama de “soldados”, continuam disseminando suas teses, sua fama, e a teoria conspiratória de que a prisão na Romênia é um ato do establishment, ou “The Matrix”.
No Twitter ele nem precisa de soldados, pois Elon Musk restabeleceu sua conta.
Parece tudo difícil de acreditar e restrito a nichos. Mas uma pesquisa de opinião encomendada pela Hope Not Hate mediu a extensão da influência de Andrew Tate na sociedade, quantificando o impacto que não cessou mesmo depois que ele foi preso e acusado de crimes.
Entre todos os pesquisados na faixa de 16 a 24 anos, 94% ouviram falar dele, 67% assistiram ou leram algo de sua autoria e 28% têm uma visão positiva sobre ele.
A taxa de visão positiva aumenta para 47% entre pessoas do sexo masculino. A principal razão é a crença de que ele “quer que os homens sejam homens de verdade”, alimentando a violência contra mulheres e a intolerância.
Uma comparação entre Tate e os principais políticos do país, que estão todos os dias nas primeiras páginas dos jornais e nos noticiários da TV, confirmou o que outras pesquisas já revelaram: o distanciamento dos jovens da mídia tradicional.
Quase 8 em cada 10 jovens do sexo masculino entre 16 e 17 anos disseram ter consumido conteúdo produzido por Andrew Tate, mas 58% deles afirmaram não ter ouvido falar do primeiro-ministro Rishi Sunak, enquanto 58% não tinham ouvido falar do prefeito de Londres, Sadiq Khan, e 32% disseram não conhecer o líder da oposição, Keir Starmer.
A pesquisa da Hope Not Hate constata como as visões do influenciador estão moldando comportamentos, com mais de 30% dos jovens afirmando que não há mal em fazer piadas sobre a religião ou raça de alguém, ou compartilhar fotos íntimas enviadas em confiança por um parceiro romântico.
A ONG alerta para os reflexos da normalização da violência online no mundo real. E engrossa o coro dos que pedem a erradicação de conteúdos que glorificam a masculinidade tóxica e incentivam a violência contra a mulher.
O relatório pode ser visto aqui.
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