Por Luciana Gurgel 

Luciana Gurgel

Apesar do hype em torno da inteligência artificial generativa, ainda não é possível vislumbrar como nem quando essa tecnologia será incorporada à prática regular do jornalismo.

Dois acontecimentos recentes, no site de tecnologia Gizmodo e na Sky News, indicam que ainda há um longo caminho para que isso ocorra com segurança, sem riscos de imprecisão ou de erros factuais − a não ser que jornalistas humanos chequem cada detalhe de um texto em fontes confiáveis ou tenham memória de elefante para captar “alucinações” da máquina.

James Whitbrook, subeditor do io9, seção de ficção científica do Gizmodo, usou o Twitter na semana passada para “denunciar” o erro de um repórter de sua equipe que ele nem sabia que existia, o “Gizmodo Bot”.

A criatura assinava uma matéria com uma lista supostamente cronológica de filmes e programas de TV da série Star Wars, coisa simples de fazer consultando um buscador como o Google para encontrar sites das produtoras ou a Wikipédia, que costuma acertar nesse tipo de conteúdo. Só que a inteligência artificial não foi muito inteligente. Enumerou as produções fora da ordem cronológica e omitiu algumas.

Mesmo depois de uma reportagem no Washington Post sobre o caso e muito barulho nas redes sociais e na redação, a matéria continuava lá (até o fechamento desta coluna), com o título A chronological list e datas que pulam de 2002 para 2008 e depois voltam para 2005, avançando então para 2022 e voltando para 2018. Pura ficção.

Whitbrook disse ter sido informado de que o texto apareceria no site dez minutos antes, e que ninguém da redação participou do processo ou revisou o material antes de alguém de fora do departamento editorial publicá-lo.

Ele compartilhou no Twitter a mensagem enviada aos chefes, em que aponta o trabalho do Gizmodo Bot como “embaraçoso, impublicável e desrespeitoso tanto com o público quanto com as pessoas que trabalham aqui, e um golpe em nossa autoridade e integridade”.

O GMG Union, sindicato dos profissionais da empresa, já tinha protestado anteriormente contra a possível perda de vagas para a IA, com uma nota instando a G/O Media, dona do Gizmodo e de uma penca de outros sites, a “parar de enchê-los com lixo gerado por IA e investir em jornalismo de verdade feito por jornalistas”.

Mas será que as máquinas não são mesmo capazes de produzir jornalismo de verdade? Foi o que a Sky britânica resolveu conferir, pedindo a Tom Clarke, seu editor de ciência e tecnologia, para criar e testar um repórter desenvolvido por IA.

Em um texto sobre a experiência, ele disse ter ficado apavorado com a possibilidade de ser substituído por “algo mais novo e mais barato”. Mas o chefe tranquilizou-o assegurando ser apenas um exercício.

Clarke convidou para a tarefa o YouTuber e programador norueguês Kris Fagerlie, que usou principalmente o ChatGPT e outras ferramentas para a experiência. Os dois desenvolveram uma repórter virtual baseada em uma produtora da Sky, Hanna Scnitzer. Ela gravou quatro minutos lendo textos diante da câmera e assim a repórter foi criada, bem como um editor com quem dialogou.

Tom Clarke (esq.) e Kris Fagerlie (Crédito: Sky News)

Os dois foram desenvolvidos com um “pensamento” simulando a lógica de jornalistas. A partir de notícias de verdade, a repórter de IA deu oito ideias de pauta ao editor, que escolheu uma e pediu que ela executasse o trabalho.

A repórter apurou, pesquisou fontes para darem entrevistas e identificou imagens geradas por IA, produzindo em apenas 20 minutos um texto editado (com imagens e intertítulos) de 300 palavras para o site e um roteiro para uma matéria de TV de 90 segundos.

Seria perfeito se o resultado não contivesse erros graves e informações inventadas, as famosas alucinações. E uma demonstração de falta de sensibilidade: uma manchete meio engraçadinha em uma reportagem que envolvia um acidente com feridos.

Clarke admite que a IA generativa já provou sua capacidade de substituir “confortavelmente” algumas das tarefas de jornalistas − desde que não sejam listas cronológicas de Star Wars, um desafio que se mostrou complexo.

Mas concluiu a experiência um tanto aliviado, afirmando que a necessidade da imaginação e do rigor dos jornalistas do mundo real leva a crer que seu trabalho − e o de muitos colegas − está seguro por enquanto.


Para receber as notícias de MediaTalks em sua caixa postal ou se deixou de receber nossos comunicados, envie-nos um e-mail para incluir ou reativar seu endereço.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments