Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

A COP28 parecia uma grande oportunidade para o Brasil dar a um mundo assustado com as mudanças climáticas e com a crise da biodiversidade um recado diferente do que foi transmitido sob a administração de Jair Bolsonaro, durante a qual o desmatamento disparou e os conflitos em terras indígenas ocuparam as manchetes − mas não foi o que aconteceu.

No quarto dia da cúpula, o País ganhou da ONG Climate Action Network o troféu Fossil of The Day. O Brasil não foi o único agraciado com o “antiprêmio”. Um dia antes, o troféu foi para a Nova Zelândia, pelo retrocesso em suas políticas climáticas, para os EUA e Japão, veteranos no Fossil of The Day, que também ganharam na COP27. Junto com o Brasil, subiu ao pódio a África do Sul.

O troféu foi um reflexo da perplexidade com que a imprensa mundial recebeu a decisão do Brasil de afiliar-se à Opep+, o grupo de observadores da Organização de Países Produtores de Petróleo.

Ativistas da ONG Engajamundo recebem em Dubai o prêmio Fóssil do Dia

Certa ou errada pela ótica da política, da economia ou da diplomacia, a decisão foi um desastre para a reputação do Brasil. E simbolizou a atmosfera que vem marcando esta COP28: pragmatismo, e não idealismo.

O jornal britânico The Guardian, entusiasta do presidente Lula, escreveu que “quaisquer pretensões que ele pudesse ter de uma liderança climática mais ampla no corte de combustíveis fósseis foram enfraquecidas quando seu ministro da Energia, Alexandre Silveira, escolheu a abertura da maior conferência ambiental do planeta como o momento para anunciar que o Brasil planeja alinhar-se mais estreitamente com o maior cartel petrolífero do mundo”.

O tom foi o mesmo na imprensa de outros países, inclusive na do Brasil, e dá motivos para reflexão sobre estratégias para comunicar o que não necessariamente será bem recebido, mas não tem como ser evitado. Seria a COP28 o melhor lugar para anunciar a adesão, mesmo sendo ela justificável para os interesses nacionais?

Lula continua tendo um capital de imagem imenso no mundo. Talvez por isso, a reação do Guardian e de outros jornais tenha sido de decepção, já que a primeira COP com o presidente empossado no cargo, ao lado de Marina Silva e Sônia Guajajara como ministras de Estado, criou a expectativa de uma participação triunfal. A lição é que esse capital não foi suficiente para neutralizar as preocupações de um movimento de comunicação que parece ter sido mal calculado.

O jogo é complexo, com muitas variáveis. Uma cobertura negativa não significa perda de financiamentos ou de assento em fóruns climáticos. No entanto, a pergunta é: precisava anunciar agora?

O Brasil não é o único criticado na COP28. Correspondentes que estão fazendo análises sobre a conferência da ONU para o MediaTalks, comentando a participação − ou a não participação − de seus países (para uma edição especial que circulará na semana que vem) relatam histórias parecidas.

Em Suécia, EUA, Itália, Argentina e Reino Unido, a cúpula em Dubai serve como motivo para a imprensa expor as fragilidades de suas políticas ambientais.

O arroubo negacionista do sultão da COP28

Mas nada se compara aos donos da casa. No domingo, o jornal The Guardian revelou declarações inacreditáveis do criticado presidente da COP28, o sultão Ahmed al Jaber, em um arroubo de negacionismo climático.

Ahmed al Jaber

Dialogando em um debate com Mary Robinson, ex-ministra da Irlanda, referência em mudanças climáticas, ele disse não haver evidências científicas sobre o efeito da redução de combustíveis fósseis sobre o aquecimento global. E pediu que alguém mostrasse como reduzir preservando o desenvolvimento econômico, sem fazer as pessoas voltarem à era das cavernas.

Choveram críticas, e até a ONU divulgou um comunicado listando os motivos pelos quais o aquecimento global está associado aos combustíveis fósseis − discretamente, sem se referir ao comentário do líder que ela aceitou para presidir o encontro apesar de seu cargo de CEO de empresa petrolífera. No dia seguinte, ele teve que voltar atrás, e disse, como sempre, que as palavras foram tiradas do contexto.

Mas é outro episódio a lembrar aos comunicadores e aos líderes de organizações: não é apenas o que se fala. É como, com quem e principalmente quando se fala.

Acompanhe diariamente em MediaTalks notícias e análises sobre a Conferência do Clima da ONU.


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