Por Luciana Gurgel
Em um mundo cada vez mais impactado por desinformação e extremismo, relatórios sobre confiança nas instituições costumam trazer más notícias. Mas o Edelman Trust Barometer de 2024 fugiu à regra em sua métrica principal.
A pesquisa com mais de 32 mil pessoas em 28 países apontou elevação discreta no índice que consolida a confiança em governos, corporações, ONGs e imprensa.
O barômetro havia marcado 55 pontos em 2023, e este ano subiu para 56. O Brasil estacionou em 53 pontos. A mudança de governo não afetou o índice, embora tenha havido oscilações entre os quesitos que o compõem.
Na verdade, os resultados do Edelman Trust Barometer mostram-se estáveis ano a ano, a despeito de transformações sociais, tecnológicas e no ecossistema de mídia. Em 2014, ele tinha marcado 54 pontos.
Mesmo sem grandes alterações, há muito o que refletir sobre o que o relatório revela.
O Reino Unido é um exemplo. Após cinco anos de uma deterioração na política, que jornalistas veteranos dizem nunca ter visto igual, e de uma polarização na sociedade, provocada pelo Brexit e pelo avanço de movimentos com agenda pautada pela intolerância, o país despencou no índice. De 2023 para 2024, a pontuação no barômetro caiu de 43 para 39, empurrando o país para a lanterna da lista.
Quem acompanha acontecimentos como a queda de Boris Johnson depois do escândalo de festas na sede do governo durante o lockdown compreende o descrédito nas instituições.
No quesito confiança no governo, o país perdeu sete pontos. Só a Colômbia teve desempenho pior, recuando nove. O Brasil subiu dois. Mas perdeu um ponto em confiança na mídia e nas ONGs.
Quem fala a verdade?
O Edelman Trust Barometer investigou também percepções do público sobre quem fala a verdade.
O percentual dos que acham que líderes empresariais “tentam propositalmente enganar as pessoas dizendo coisas que sabem serem falsas ou exageradas” nos 20 países é de 61%, com elevação de dois pontos percentuais em relação a 2023.
Governantes não devem comemorar, porque a situação deles é quase a mesma: taxa de desconfiança de 63%. Mas quem ficou pior foi a mídia, com 64%.
Em uma avaliação sobre confiança relacionada a informações sobre inovação e tecnologia os cientistas pontuaram melhor, com 74%.
A supresa é que eles aparecem empatados com “alguém como eu”, o que pode ser um reflexo das relações diretas ou das bolhas de filtro nas mídias digitais. Fazendo um exercício baseado na vida real: pode ser mais fácil um parente convencer alguém a tomar a vacina da covid do que o governo ou o jornal.
Menos da metade (47%) acha que os jornalistas estão falando a verdade sobre tecnologia e apenas 45% acham que o governo é uma fonte confiável.
No entanto, 45% dos entrevistados no mundo acham que os cientistas não sabem se comunicar bem.
Entre os brasileiros, 37% manifestaram essa opinião. A divulgação científica tem um longo caminho a percorrer.
Confiança na mídia
A comparação de confiança na mídia entre países é curiosa, pois aparenta ser afetada pelo nível de liberdade de imprensa do mercado, e consequentemente na pluralidade de meios.
A nação que figura como número um em confiança na mídia é a China. Depois aparecem Indonésia e Tailândia. Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita estão entre os dez melhores, com taxas acima de 60%.
Como qualquer pesquisa, o barômetro mede a percepção do público. Ela não se propõe a estudar o contexto de cada país.
Portanto, ainda que os chineses possam não ter elementos para fazer um julgamento apurado sobre a confiabilidade das informações transmitidas pelo sistema de mídia controlado pelo governo, na prática eles confiam no que recebem. E isso não é necessariamente uma boa constatação apresentada pelo relatório sob perspectiva do pensamento crítico nesses países.
A confiança na mídia tradicional ficou em 62% na média de 27 países (nesse quesito o Brasil não foi pesquisado), bem melhor do que nas mídias sociais (44%).
Quem se saiu bem foram os buscadores, com 68% do público considerando-os confiáveis para se informar − embora em muitos casos eles conduzam o leitor a notícias dos meios tradicionais. Mas a pesquisa trata de percepções, e esta é a que está prevalecendo.
O relatório completo pode ser visto aqui.
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