* Por Eduardo Brito ([email protected]), editor de Política do Jornal de Brasília.
Oregon é um estranho estado norte-americano. Em especial nas cidades maiores, como a capital Portland, tem perfil liberal, tanto assim que Barack Obama, John Kerry, Al Gore e Bill Clinton lá ganharam em todas as últimas eleições presidenciais. Mas tem também, especialmente nas regiões interioranas montanhosas, núcleos extremamente conservadores, em geral vinculados a denominações evangélicas fundamentalistas. Há inclusive comunidades de pequeno porte, formadas apenas por participantes de uma mesma igreja, que por ela pautam toda a sua vida.
Foi de uma dessas comunidades que veio para o Brasil a estudante Mykensie Martin, às vésperas de completar 17 anos, para um intercâmbio na cidade de Carmo do Paranaíba, na região do Alto do Paranaíba, em Minas Gerais. É uma cidade interiorana, de 30 mil habitantes, onde não havia muita diversão. O intercâmbio era patrocinado pelo Rotary Clube, mas vinculado, ao menos no Oregon, à igreja evangélica da família. Em um domingo de novembro, após algumas semanas no Brasil, Mykensie Martin sumiu.
Por ordem expressa dos pais, que a monitoravam lá do Oregon, Mykensie Martin foi ao culto de uma igreja mórmon em Patos de Minas, a cerca de 60 quilômetros de Carmo do Parnaíba. Não era exatamente a mesma denominação da igreja dos pais, mas a mais próxima que havia. A farmacêutica Cláudia Mendonça Cardoso, dona da casa onde a jovem estava hospedada, contou que a moça participava de um programa de intercâmbio de estudantes. Segundo a farmacêutica, Mykensie Martin era calada, tímida, porém muito prestativa e educada. Nunca tinha deixado seu núcleo rural do Oregon. A adolescente não tinha amigos em Carmo da Paraníba e passava boa parte do tempo dentro de casa. “Por ela ser mais madura que as meninas da idade dela, acredito que ficava difícil para ela fazer amizades aqui”, explicou Cláudia. Seguindo as ordens do pai, Mykensie frequentava o culto em Patos de Minas.
Começou três semanas antes de desaparecer. Todo domingo, ela pegava um ônibus às 5h45 para a cidade vizinha e, lá, ia direto à igreja. A polícia tentou seguir seus passos. Conseguiu descobrir, graças a missionários da igreja, que, em vez de usar a passagem de volta para Carmo do Paranaíba, Mykensie comprou um bilhete para Unaí, no Noroeste do estado. Segundo a investigação da Polícia Civil, a última vez que a garota foi vista foi por volta das 18h. Segundo testemunhas, ela tentava pegar uma carona para Brasília. Ainda em Carmo do Paranaíba, descobriu-se que Mykensie Martin saíra de casa pela última vez com todo o pouco dinheiro e documentos de que dispunha, inclusive o passaporte, o que fazia supor que ela estava planejando não voltar mais. Ninguém por lá tinha a menor ideia das razões que a motivaram a fazer isso.
A embaixada americana e a polícia de Brasília foram avisadas. Os pais da adolescente, Steve e Stephanie Martin, compraram passagens para o Brasil, mas o percurso desde o interior do Oregon era longo e cheio de escalas. Sua intenção era, ao chegar, ir direto a Carmo do Paranaíba. Estavam apavorados. Outra jovem do Oregon que participava de intercâmbio em cidade muito mais próxima, na vizinha Califórnia, também desaparecera e fora encontrada morta. Uma terceira jovem do Oregon – pelo jeito a turma de lá é chegada a um intercâmbio – viajara para Aruba e nunca mais foi vista. Antes mesmo que os Steve e Stephanie embarcassem, a polícia mineira descobrira que Mykensie Martin conseguira carona com um caminhoneiro. Como se imaginara, fora para Brasília. Chegando, desaparecera. Ninguém conseguia identificar qualquer traço da garota. Foi aí que o repórter fotográfico Marcos Rezende, do Jornal de Brasília, entrou em cena. Àquela altura, a mídia já dava ampla cobertura ao sumiço de Mykensie Martin. Inclusive os jornais e telejornais do Oregon, talvez sem muito assunto, investiram bravamente no tema.
A Globo chegou a veicular matéria. Marcos Rezende, conhecido como Marcão, lembrou-se de que, sendo o Plano Piloto de Brasília uma área em que notoriamente os hotéis são muito caros, inviáveis para alguém com pouco dinheiro em caixa, só havia uma chance: as pousadas que, contrariando todas as normas do rígido zoneamento da capital, funcionam precariamente perto da via W3, uma das principais da cidade. Foi de uma em uma, perguntando por uma norte-americana loira e bonitinha, que mal falava o português. Não era missão fácil, inclusive para a polícia. Como as pensões são irregulares, já teriam pouca disposição para prestar informações sobre quem quer que seja. Muito menos uma menor de idade. A insistência do repórter fotográfico acabou dando certo.
Batendo de porta em porta, chegou a uma pousada em que, a duras penas, a responsável admitiu que uma pessoa estivera lá. Dormira uma noite e, ao sair, perguntou em português canhestro como poderia ir a Salvador gastando o mínimo possível. Recebeu informações sobre como chegar à Rodoviária do Plano Piloto. Aí ficou mais fácil obter informações. No guichê de uma das poucas empresas rodoviárias com linhas permanentes para Salvador, descobriu-se que Mykensie Martin, espertinha, tinha ainda R$ 200 na carteira, o suficiente para embarcar para a Bahia. A polícia baiana foi avisada. Descobriu-se até o horário em que Mykensie desembarcara. Mas seria procurar agulha em palheiro. O que salvou a norte-americana foi a cobertura dada ao caso pela Globo e suas afiliadas.
Foi então que chegou a uma delegacia baiana o garçom Marcos Alves, baiano fortão e bem falante que fazia bico em uma barraca da praia de Pituba. Mylkasey chegou a Salvador por volta das 13h da terça-feira. Não vacilou. Na Rodoviária tomou um ônibus para a praia, que era mesmo o que desejava ver. Chegou assim a Pituba. Já na delegacia, levada pelo próprio Marcos Alves, disse que, mesmo sem roupa de banho, deitou-se na areia, mas logo atraiu ladrões. Um deles teria tentado arrancar sua bolsa e ela resistiu até a chegada de um homem que assustou o assaltante. Era Marcos Alves, que atendia em uma barraca próxima. Nunca ficou muito claro se realmente houve esse incidente com ladrões ou se ela fora direto à barraca onde conheceu o garçom.
Ao depor novamente, já na Polícia Federal, Marcos contou que, como a norte-americana estava confusa, resolveu levá-la para a casa de um amigo que morava perto dele, no Vale das Pedrinhas, uma das áreas mais pobres do bairro Nordeste de Amaralina. “Minha casa é muito pequena, não havia lugar para acomodá-la”, justificou. Disse que não assistira televisão nos últimos dias e por isso não sabia que Mykensie estava desaparecida. Quando foi informado de que a televisão estava noticiando o caso, ficou esperto. Sua primeira providência foi procurar a delegacia.
Trouxe Mykensie, que chegou abraçadinha a ele e aparentemente não compreendia cem por cento o que acontecia. De qualquer forma, foi levada imediatamente para Brasília. Aliviada, a americana Stephanie Martin disse já na sexta-feira que sua filha teve muita sorte por sair viva da aventura em que se envolveu no Brasil. Muito abatidos, os pais contaram que viveram uma agonia até quando foram avisados pelo FBI que Mykensie havia sido localizada em Salvador e passava bem. Mykensie alegava apenas que queria “sair por aí”. Foi embora para o Oregon leve e feliz como um passarinho.