Jornal paranaense investiu R$ 23 milhões na mudança, que culminará com a transformação da versão impressa em semanal. Equipe fixa contará com 118 profissionais, entre jornalistas, designers, infografistas e pessoal de TI
Nós últimos anos, muitos têm sido os jornais impressos que deixaram de circular para reduzir custos, já que a crise do modelo de negócio provocada pelas novas tecnologias de distribuição de notícias fez a publicidade minguar, os leitores sumirem, a circulação cair e as receitas evaporarem. Diversos têm investido compensatoriamente no digital e no mobile e mantido as versões impressas – no máximo unificando as edições de final de semana para reduzir despesas –, mas em geral a conta segue não fechando.
Nesse cenário, a Gazeta do Povo, que completou 98 anos em fevereiro passado como o maior jornal do Paraná, anunciou em 6/4 que investiu R$ 23 milhões em tecnologia para promover uma mudança de paradigma em sua produção jornalística: a partir de 1º de junho, será o primeiro jornal brasileiro feito exclusivamente para plataformas móveis, tendo como diretriz o jornalismo de impacto social. Para sustentar o negócio, a principal fonte de receita virá de assinaturas. A versão impressa deixará de ser diária e passará a semanal, mais analítica e contextual, com circulação aos sábados.
Como o conteúdo tem papel protagonista nesse novo momento da Gazeta, um time de colunistas de peso passa a integrar a equipe do jornal: Ricardo Amorim, Teco Medina, Leandro Narloch, Rodrigo Constantino, Lúcio Vaz e Evandro Éboli, que se juntam a nomes como Luís Fernando Verissimo, Rogério Galindo e Demétrio Magnoli.
Do ponto de vista operacional, também a produção de notícias será essencialmente a partir de celulares. Os profissionais da Gazeta escreverão suas matérias e as publicarão na plataforma digital do jornal a partir de seus dispositivos móveis por meio de um aplicativo desenvolvido pela Eidos, especialista internacional em soluções de publicação online. Ele permite ao jornalista produzir não só textos, mas também fotos, vídeos e lives.
Um caminho natural
Para Guilherme Pereira, presidente do Grupo GRPCom, ao qual pertence a Gazeta do Povo, apenas o inglês Independent adotou esse foco essencialmente mobile, porém sem preservar qualquer edição impressa. Segundo ele, a decisão vinha sendo amadurecida há dois anos, quando o jornal passou a adotar uma nova política digital: “Desde então, as nossas pesquisas vinham indicando que esse era o caminho natural. Aliás, mais do que as pesquisas, a nossa realidade nos impôs a decisão. Hoje, na Gazeta do Povo são nove leitores no digital para cada um no impresso. No próprio digital, são 60% no celular contra 40% no desktop. E a curva do mobile só cresce. Então, quanto mais cedo mudarmos, melhor”.
Para sustentar o negócio, ele aposta fortemente na receita gerada por assinaturas. A orientação segue tendência identificada há dois anos em relatório da Associação Mundial de Jornais e Publishers de Jornais (WAN-IFRA), que detectou que a circulação, e não mais os anúncios, passaram a responder pela maior parte das receitas dos jornais no mundo. O mesmo documento apontava que o futuro do consumo de notícias seria dominado por celulares e tablets.
“A previsão é chegarmos a 300 mil assinantes até 2019, dos quais dois terços devem vir de fora de Curitiba”, diz Guilherme. “Nossa estratégia para isso se baseia em levar notícias de credibilidade ao leitor onde ele estiver, pelo celular. O leitor da Gazeta valoriza a informação de credibilidade e isso será a base para que ampliemos o nosso universo de assinantes”. Também servirão como atrativos para novos assinantes a diretriz de produção jornalística para gerar impacto social, capaz de ensejar mudanças, e o Clube Gazeta do Povo, que oferece vantagens aos seus membros. “Queremos demonstrar ao assinante que ele financia um jornalismo sério, confiável e que faz a diferença na vida das pessoas”.
Ele lembra ainda que os atuais anunciantes da edição impressa também terão papel preponderante no processo: “Além da versão impressa semanal e das revistas mensais Haus e Bom Gourmet, eles terão pacotes especiais no digital e ações de branded content. Usaremos o prazo que temos até junho para afinar as relações com os anunciantes”.
Geração de impacto social
Na nova estrutura, o conteúdo estará dividido em editorias com foco na compreensão de comportamentos e tendências: República (sob a responsabilidade de André Gonçalves), NovaEconomia (Rodrigo Ghedini), Livre Iniciativa (Fabiane Menezes), Educação (Denise Drechsel), Justiça e Direito (Joana Neitsch), Ideias (Jones Rossi), Política Paraná (Bruna Maestri Walter), Curitiba (Marcos Xavier Vicente), Esportes (Rodrigo Fernandes), Guia (Gilson Garret), Bom Gourmet (Deise Campos), Haus (Daliane Nogueira), Viver Bem (Katia Michele), Bessa (Reinaldo Bessa) e Automóveis (Renyere Trovão). A equipe fixa contará com 118 profissionais, entre jornalistas, designers, infografistas e pessoal de TI. A média de idade é de 35 anos.
Segundo Leonardo Mendes Jr., diretor de Redação da Gazeta, para aferir a meta de geração de impacto social o veículo adotará metodologia que vem sendo desenvolvida a partir de experiência do Marshall Project, portal noticioso norte-americano sobre Justiça Criminal: “Essa metodologia usa um algoritmo que nos permite identificar quando uma reportagem está sendo citada e gerando debate. Não queremos ser relevantes apenas por informar, mas produzir informação capaz de ensejar mudanças. O jornalismo é uma das principais ferramentas de mudança social. Cito dois exemplos reais: uma reportagem sobre um artesão que morava numa casinha de cachorro levou um empresário a nos procurar para dar a ele uma casa. E parte da reportagem Mitos e verdades de Moro foi usada no livro de um procurador sobre a operação Mãos Limpas, da Itália. Da mesma forma, quando sabemos que nosso projeto Ler e Pensar, de incentivo à leitura para alunos do Ensino Fundamental e Médio público e privado do Paraná, faz com que também os pais passem a ler”. Inicialmente, diz ele, os relatórios com essas aferições serão trimestrais, mas a ideia é que no futuro estejam disponíveis online, em atualizações diárias.
Migração de leitores
Leonardo acredita que a migração dos atuais leitores do papel para o mobile será tranquila: “Eles terão todos os colunistas, além de diversas funcionalidades, como podcasts. Também faremos curadoria de notícias, algumas exclusivas para assinantes. Hoje já fazemos alguma no online, como o Bom Dia, que fica disponível logo cedo com os principais temas do dia anterior. Haverá outras edições, como Boa Tarde e Boa Noite, atualizando o noticiário do dia, e, aos domingos, O melhor da semana”.
Outra preocupação, diz Leonardo, é manter o padrão editorial independentemente de plataforma, já que a credibilidade será fundamental para o sucesso do veículo: “Nesse sentido, a checagem de fatos tem papel primordial. Por isso, dentro desse período de transição também nos dedicaremos a desenhar dinâmicas de combate às fake news”.
Versão impressa
A edição impressa da Gazeta do Povo circulará sempre aos sábados em novo formato e vai aprofundar e explicar os assuntos mais relevantes da semana, além de trazer colunas, artigos exclusivos e algum material do mobile. Cada exemplar terá 64 páginas e também será vendido em bancas, a R$ 8. Os assinantes receberão em casa, aos sábados. A equipe fixa contará com cinco profissionais experientes: o editor-chefe Irineu Netto e os editores Célio Martins, Carlos Coelho, Denise Drechsel e Adriano Justino. Segundo Leonardo, o piloto ficou excelente e eles começam a trabalhar no regime de fechamento semanal entre o final de abril e o início de maio.
Para marcar a “virada de chave”, a Gazeta reafirmará seus valores e convicções por meio de 28 editoriais que serão publicados também a partir do final de abril. No dia 31 de maio, todos os textos serão compilados e disponibilizados na plataforma. “Queremos reiterar nossos valores de maneira transparente ao nosso leitor e a nossos parceiros. Somos um jornal a favor da vida, dos direitos humanos e da democracia”, conclui o presidente Guilherme Pereira.
A decisão da Gazeta teve muita repercussão nas redes sociais. Grande parte dos comentários, porém, afirma exatamente o contrário da proposta da empresa: ou seja, que, na realidade, ela está puxando o cordão do fim dos jornais impressos. A conferir.