Por Assis Ângelo

Grandes brasileiras marcaram presença no campo minado da poesia erótica, como a paulista Hilda Hilst, a paulistana Adelaide Colombina e a carioca Gilka Machado. Todas fizeram o que bem quiseram, inventando ou narrando momentos por elas vividos entre lençóis.

Hilst respirava tesão que transformava em amor e cuspia palavrões com a graça de uma pavoa. Exemplo é Filó, a Fadinha Lésbica. Um fragmento:

Hilda Hilst

Ela era gorda e miúda.

Tinha pezinhos redondos.

A cona era peluda

Igual à mão de um mono.

Alegrinha e vivaz

Feito andorinha

Às tardes vestia-se

Como um rapaz

Para enganar mocinhas.

Chamavam-lhe “Filó, a lésbica fadinha”.

Em tudo que tocava

Deixava sua marca registrada:

Uma estrelinha cor de maravilha

Fúcsia, bordô

Ninguém sabia o nome daquela cô.

Metia o dedo

Em todas as xerecas: loiras, pretas

Dizia-se até…

Que escarafunchava bonecas.

 

O conteúdo aqui tem um quê do perfil do personagem de Memórias do Abade de Choisy Vestido de Mulher (1868), não? O título já diz tudo: o personagem se vestia como tal e como tal dava prazer à mulherada.

Colombina, que nasceu em 1882 e morreu em 1963, era de classe social abastada. Não deixou uma obra monumental, mas ainda assim bons poemas que ficaram na memória de quem aprecia o gênero. Um desses poemas, Intimidade:

 

Toda alcova em penumbra. Em desalinho o leito,

onde, nus, o meu corpo e o teu corpo, estirados

na fadiga que vem do gozo satisfeito,

descansam do prazer, felizes, irmanados.

 

Tendo a minha cabeça encostada ao teu peito,

e, acariciando os meus cabelos desmanchados,

és tão meu… Sou tão tua. Ainda sob o efeito

da louca embriaguez dos momentos passados.

 

Porém, na tua carne insaciável, ardente,

o desejo reacende, estua…E, de repente,

dos meus seios em flor beijas a rósea ponta…

 

E se unem outra vez a lúbrica bacante

do meu ser e o teu sexo impávido, possante,

na comunhão sensual das delícias sem conta…

 

Gilka Machado, por sua vez, fez barulho e tanto.

Gilka Machado

Nem o paulistano Mário de Andrade ficou indiferente ao ler o que Gilka escrevia. Ora falava mal, ora falava bem.

Ao contrário de Mário, o mineiro Carlos Drummond de Andrade foi direto ao referir-se à autora de Cristais Partidos, lançado em 1915: “Gilka foi a primeira mulher nua da poesia brasileira”.

Nessa mesma linha de enaltecimento à poesia de Gilka se sobressaem os escritores Henrique Pongetti, Agripino Grieco e Medeiros e Albuquerque.

Sobre a destemida e invulgar poetisa disse Albuquerque: “É impróprio o elogio do corpo masculino pela mulher, pois parece coisa brutal, luxuriosa, cínica”.

Mas não foram poucos os intelectuais que aplaudiram Gilka já nos seus primeiros poemas e livros. Entre seus admiradores mais entusiastas se achavam Lima Barreto, Afrânio Peixoto, Osório Duque Estrada e o cri-cri poeta e prosador Humberto de Campos, fundador da revista ilustrada A Maçã. Essa publicação durou nove anos, de 1920 a 1929. A sua característica óbvia era o erotismo. Carioca.

Sobre Lima Barreto já falamos um pouco. Mas não custa lembrar que na sua obra ele põe a mulher como em alto patamar. Heroína, quase deusa. Na visão dele, o homem beira o comportamento de uma besta. Não era brinquedo, esse Barreto. Ele próprio sentiu na pele os horrores de uma sociedade racista, machista, hipócrita.

No romance Cemitério dos Vivos, que não teve tempo de concluir, Barreto cita curiosamente uma mulher que viveu em tempos da Idade Média. Seu nome: Heloísa de Argenteuil (1092-1164). Essa mulher comeu o pão amassado por todos os diabos, depois de ser seduzida e desvirginada por um cara chamado Pierre Abélard (1079-1142). Era religiosíssimo, vejam vocês!

Heloísa conheceu Abélard quando tinha uns 17 anos de idade e ele uns 30.

Heloísa e Pierre trocavam cartas entre si de modo muito discreto. Em uma dessas cartas, ela diz a seu amado: “Eu preciso resistir àquele fogo que o amor instiga nos corações jovens. Nosso sexo (o feminino) não é nada além de fraqueza e tenho grande dificuldade em me defender, pois me agrada esse inimigo que me ataca”. Em outra carta, Heloisa desabafa:

Heloísa e Abélard

Enquanto gozávamos dos prazeres de um amor inquieto e, para usar um termo mais vergonhoso, mas mais expressivo, nos entregávamos à fornicação, a severidade divina perdoou-nos. Mas logo que legitimámos esses amores ilegítimos e cobrimos com a dignidade conjugal a ignomínia da fornicação, a ira do Senhor abateu pesadamente a sua mão sobre nós e o nosso leito imaculado não encontrou favor diante daquele que outrora tinha tolerado um leito manchado. Para um homem apanhado em flagrante adultério, a pena que sofreste seria suficiente como castigo. Mas o que outros merecem por adultério, caiu sobre ti pelo casamento, relativamente ao qual estavas convencido de já ter reparado todas as injustiças. O que as mulheres adúlteras fizeram aos seus fornicadores, a tua própria esposa fê-lo a ti…

 

Leolinda Figueiredo Daltro (1859-1935) foi uma das primeiras brasileiras a lutar em favor da cidadania feminina em todos os sentidos. Era baiana e de profissão enfermeira. Fundou jornais e pelo menos uma revista, Tribuna Feminina, no Rio, para onde se mudou em fins dos anos 80 do século 19. Promoveu discussão e até passeata que tinha a mulher como figura central.

Reproduções de Flor Maria e Anna da Hora


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