Nota Técnica: Apagamento da Articulação pela Mídia Negra no Grupo de Trabalho Interministerial de Comunicação Antirracista do Governo Federal

Esta nota técnica tem como objetivo destacar a falta de transparência na elaboração de ações do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) Comunicação Antirracista do Governo Federal, bem como o apagamento da incidência da Articulação pela Mídia Negra na construção e execução dessas ações, tais como o Plano de Comunicação pela Igualdade Racial, que será lançado em breve.

O GTI, que visa formular políticas públicas para promover a igualdade racial no campo da comunicação, falhou em não incluir de forma transparente e reconhecida as ações e contribuições da Articulação pela Mídia Negra, um grupo que desempenhou papel fundamental na sua concepção.

“Essa é uma ação de incidência estratégica, resultado de intensos tensionamentos e de muita pressão para que pudesse se concretizar”, explica Marcelle Chagas, CEO e fundadora da Rede JP – Rede de Jornalistas pela Diversidade na Comunicação. “O que mais preocupa, no entanto, é o constante apagamento de lideranças negras, que são fundamentais para promover mudanças reais. Que este marco seja um ponto de partida para avanços significativos e para a criação de legislações capazes de transformar os rumos do país rumo a uma democracia verdadeiramente inclusiva”.

Marcelle Chagas, fundadora da Rede JP e integrante da Articulação pela Mídia Negra

A Articulação pela Mídia Negra é composta por 55 organizações lideradas por jornalistas e comunicadores de grupos sub-representados de todo o Brasil, entre veículos, empresas de comunicação, entidades e coletivos de produção e difusão de notícias que dizem respeito à comunidade negra e à promoção da igualdade racial na mídia.

A Articulação nasceu em novembro de 2022 com missão específica: fomentar a elaboração de políticas públicas voltadas à igualdade racial na mídia.

A primeira campanha eleitoral de Donald Trump nos EUA, em 2016, evidenciou novamente o impacto devastador da desinformação e da polarização digital. Essa fórmula, já conhecida como um “modelo de sucesso” em campanhas políticas, precisa ser urgentemente enfrentada.

A comunicação antirracista é essencial para garantir a integridade da informação. De acordo com a UNESCO, é fundamental que os meios de comunicação combatam narrativas discriminatórias e amplifiquem as vozes de comunidades marginalizadas, promovendo representações diversas e equitativas. Esse compromisso fortalece a liberdade de expressão, combate a desinformação e contribui para sociedades mais justas, onde a diversidade cultural e racial é respeitada e valorizada como pilar da democracia.

Antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, representantes da Articulação pela Mídia Negra já se reuniam com a equipe de transição do futuro governo, em dezembro de 2022, para falar da importância das políticas de comunicação pela igualdade racial e chamar a atenção do governo em relação à interferência das fake news na comunicação e no processo democrático do país.

Em 9 de março de 2023, a Articulação enviou um ofício ao gabinete da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República solicitando uma reunião com o ministro-chefe Paulo Pimenta. O pedido foi feito reiteradamente mais de uma vez. Infelizmente, a solicitação nunca foi atendida.

Em 6 de abril de 2023, a Articulação se reuniu de forma online com a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e sua equipe, para discutir a implementação das demandas da Articulação.

Em 11 de julho de 2023, a Articulação pela Mídia Negra foi a Brasília e entregou à Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), em reunião ocorrida na sede do Ministério das Comunicações com a presença de representantes do Ministério da Igualdade Racial, Secretaria de Comunicação, Ministério das Comunicações, Ministério da Cultura, dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, EBC e Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro, um documento com 59 reivindicações, formuladas após consultas  com jornalistas, comunicadores, pesquisadores e lideranças, para fomentar e incentivar a produção e difusão de notícias relevantes para comunidades negras, periféricas e indígenas. Na ocasião, a Articulação destacou a urgência em promover uma comunicação antirracista e combater a desinformação e o discurso de ódio na sociedade brasileira. No dia seguinte, em 12 de julho, a Articulação foi recebida pela Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, a quem entregou também as reivindicações.

Colaboramos estreitamente com o Governo Federal durante meses, com esforço custeado através dos nossos próprios recursos, para a construção de políticas públicas antirracistas. Com o apoio e a participação de organizações históricas e um esforço coordenado, reivindicamos a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial com a participação da sociedade civil. Havíamos também ressaltado para o governo federal a importância da diversidade nas reuniões de imprensa no Governo Lula.

Como resultado de toda essa articulação com o Governo Federal, em 20 de novembro de 2023, Dia da Consciência Negra, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto nº 11.787, instituindo o Grupo de Trabalho Interministerial Comunicação Antirracista, com a finalidade de elaborar proposta do Plano Nacional de Comunicação Antirracista.

Neste dia, o Governo Federal, por meio da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e do Ministério da Igualdade Racial, deu início à consulta pública para ouvir a sociedade civil para reunir subsídios para a elaboração do Plano Nacional de Comunicação Antirracista.

No dia 13 de setembro de 2024, a Articulação pela Mídia Negra lançou o Relatório de Impacto como um marco na luta pela democratização na comunicação e referência para o desenvolvimento de políticas públicas que fortalecem a democracia e criam um ecossistema informativo mais inclusivo e diverso no Brasil.

Falta de Transparência e Apagamento

Desde a criação do GTI, têm-se observado diversos problemas relacionados à transparência na tomada de decisões e na elaboração de ações. Entre os principais pontos de preocupação, destacam-se:

  • Falta de comunicação: o GTI tem falhado em fornecer informações claras e acessíveis sobre os processos de decisão e a implementação de ações, limitando a participação das organizações da sociedade civil;
  • Apagamento da Ação da Articulação pela Mídia Negra: a Articulação pela Mídia Negra foi uma das principais forças motrizes por trás da criação do GTI, lutando incansavelmente para garantir que as questões de desigualdade racial fossem adequadamente abordadas. No entanto, nota-se que desde as primeiras comunicações do GTI até seu estabelecimento formal, a contribuição da Articulação pela Mídia Negra tem sido sistematicamente apagada.

Os seguintes aspectos ilustram este apagamento:

  • Falta de reconhecimento: apesar do papel crucial desempenhado pela Articulação, não houve reconhecimento público ou formal de sua contribuição para a criação do GTI. Lembrando que a Articulação é formada por grupos históricos de diversas localidades do país reconhecidos na luta antirracista;
  • Marginalização em relatórios e documentos: a presença da Articulação nas discussões e formulações políticas do GTI não é adequadamente refletida em documentos oficiais e relatórios de progresso.

Impacto e Consequências

A falta de transparência e o apagamento da Articulação pela Mídia Negra têm sérias implicações para a eficácia e a legitimidade do GTI:

  • Perda de confiança: a falta de inclusão e transparência compromete a confiança entre o GTI e as organizações da sociedade civil, especialmente aquelas que representam comunidades marginalizadas;
  • Políticas desconectadas da realidade: sem a contribuição ativa de grupos como a Articulação pela Mídia Negra, as políticas formuladas pelo GTI correm o risco de não refletirem as necessidades e realidades das populações mais afetadas. A Articulação entregou um material rico que compôs iniciativas passadas, como a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom);
  • Atraso no material: A exclusão de atores-chave envolvidos na concepção da ação prejudicou a capacidade do GTI de formular estratégias eficazes, colaborativas e inclusivas. Essa limitação foi agravada pela dificuldade do governo em articular um fluxo de trabalho capaz de integrar as demandas da sociedade civil, o que resultou no atraso na finalização do material do plano e comprometeu o alinhamento necessário para a execução plena da iniciativa.

Recomendações

Para restaurar a confiança e garantir a eficácia do GTI, recomenda-se:

  • Reintegração e reconhecimento da Articulação pela Mídia Negra: o GTI deve reconhecer publicamente o papel da Articulação e garantir sua inclusão nos processos decisórios, tendo em vista o processo sistemático e histórico de apagamento da população negra. Reconhecer os processos históricos é fundamental neste momento. Pela primeira vez na história, um grupo significativo de líderes e intelectuais negros alcançou uma expressiva incidência política e social, consolidando um marco na luta pela equidade e pela amplificação das vozes negras em espaços de decisão e poder. Apagar essa conquista é perpetuar erros historicamente cometidos, silenciando trajetórias de resistência e protagonismo. Mais do que um avanço, este momento representa o fortalecimento de uma luta coletiva por justiça, inclusão e transformação social, cujo impacto será decisivo para as próximas gerações;
  • Adoção de práticas transparentes: é fundamental que o GTI adote práticas de transparência, comunicando claramente suas decisões e ações às partes interessadas;
  • Criação de mecanismos de participação: estabelecer mecanismos formais de participação de organizações da sociedade civil, garantindo a democratização de acesso às representações de todas as populações, principalmente as sub-representadas.

Conclusão

A falta de transparência e o apagamento das contribuições da Articulação pela Mídia Negra na construção do GTI são questões que devem ser abordadas de forma urgente. Para que o GTI cumpra seu objetivo de promover a igualdade racial na comunicação é essencial que suas ações sejam inclusivas, transparentes e reconheçam devidamente as contribuições daqueles que têm lutado na linha de frente dessas questões.

O momento atual exige responsabilidade e compromisso. É essencial permanecermos vigilantes e empenhados na construção de um ambiente informativo mais justo, plural e transparente — pilares indispensáveis para a consolidação da democracia no Brasil. A luta por uma comunicação verdadeiramente antirracista e inclusiva é contínua e essencial para a preservação da democracia. E dela, não abriremos mão.

Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 2024.

Articulação pela Mídia Negra

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