São Paulo recebeu em 14 e 15 de maio passados a quarta edição do Festival Path. Criado por O Panda Criativo, o evento aborda inovação e criatividade e é destinado “a todos os que querem inovar a forma de pensar e agir”, em diferentes áreas de atuação. O Panda Criativo – fundado por Fábio Seixas e Rafael Vettori – é uma plataforma para criar, promover e gerir iniciativas que usam a criatividade como ferramenta para transformar a sociedade. De formato múltiplo, o festival valeu-se de palestras, shows, filmes, exposição de arte, feiras de startups, maker de robótica e gastronomia distribuídos no que a organização batizou como a Cidade Path, uma ocupação pelo bairro de Pinheiros: Instituto Tomie Ohtake, Estúdio, praça dos Omaguás, Centro Cultural Rio Verde e arredores (identificados com bandeirolas) fizeram parte do circuito, estimulando os cerca de dez mil participantes a explorarem a pé aquela parte da cidade. E o jornalismo também estava lá. Não só com o patrocínio de mídia de mais de uma dúzia de empresas do ramo – entre elas Globo, Trip, UOL, ESPN e F451 – nem com a presença de uma penca de profissionais, entre palestrantes, participantes e quem cobria o evento. Mas com discussões sobre plataformas, influência digital, comunicação de guerrilha social, storytelling, documentários, branded content… De todas as sessões, destaco uma em especial, que nos diz respeito diretamente. Em É possível reinventar o mercado da notícia, Bruno Torturra (Fluxo) e Camilo Rocha (Nexo), mediados por Renata Simões, contaram sobre as experiências que vivenciam nas iniciativas de que participam, convidando o público a uma reflexão coletiva sobre o fazer jornalístico. Caminho tecnológico: streaming e tevê interativa Bruno Torturra foi o primeiro profissional no Brasil a fazer uma transmissão via streaming. Foi em 2011, logo após a marcha da maconha ter sido duramente reprimida. A ideia da transmissão veio de supetão, como ele conta: “O streaming que a gente fez foi por acaso (sou meio gago, muito tímido de falar, nunca tinha feito nada parecido). O Rafael Losso, então na MTV, estava trazendo o Live Stream pra cá e me fez a proposta de transmitir a marcha para a minha conta, já que o ensejo era de que a imprensa estaria fazendo um cobertura porca daquela repressão. Foram seis horas e meia de streaming, ao vivo”. A repercussão dessa longa transmissão foi tão importante que resultou, em seguida, numa decisão do STF liberando a realização de marchas em favor da maconha. “Só quando cheguei em casa foi que vi que o streaming tinha sido assistido por 90 mil pessoas, o que representa um ponto no Ibope. Um escândalo, já que a gente não tinha um veículo”, disse Bruno. E relatou: “Naquele momento caiu uma ficha enorme na minha cabeça. Eu estava há onze anos na revista Trip, no impresso. Sentia de alguma forma que a relevância do que a gente fazia estava sumindo. Era mais ‘vi a sua matéria’, do que ‘li a sua matéria’. Nós já estávamos num ecossistema de comunicação diferente, e o jornalismo estava pronto para usar esse ecossistema de outra forma. Foi isso o que eu comecei a explorar”. Na sequência dessa “luz” vieram a PósTV (rede nacional, descentralizada e experimental de streaming) e o Mídia Ninja, em 2012, coletivo que ganhou expressão nacional e internacional durante os protestos de junho de 2013. No final desse mesmo ano, Torturra afastou-se do Mídia Ninja para criar o Estúdio Fluxo, espaço no centro de São Paulo em que repórteres, cinegrafistas, fotógrafos, editores e artistas podem explorar novas possibilidades para o jornalismo – e que em breve será esmiuçado nesta coluna. De acordo com Bruno, transformação maior acontecerá quando a tevê fundir-se completamente com a internet: “A tendência é de o laptop desaparecer, as pessoas ficarem só com o smartphone, com uma tela pequena, e a outra tela ser a tevê, que vai juntar tudo – um conteúdo digital bom para ver na tevê. Isso eu acho que vai mudar completamente, vai ser a grande quebra dos veículos de comunicação ‘tevê’”. Editorial: vício do furo vs. jornalismo explicativo “Jornalismo explicativo é uma palavra que está na moda. Parece meio besta, porque jornalismo ter que explicar as coisas é pleonasmo”, comentou Camilo Rocha. “O jornalismo explicativo, porém, acabou por ter um sabor de novidade porque a gente vive num overload de notícias sem contexto, sem explicação. Todo mundo produz informação, desde veículos tradicionais até os menores. E cada pessoa, no facebook, é uma espécie de editor. No meio disso tudo, existe uma demanda por entender um pouco melhor, ir uma camada além. Dar o que chamamos no Nexo de salto interpretativo”. Bruno complementou: “O furo virou um vício meio burro. Qual é o sentido do furo clássico? Quando saía no papel, o concorrente só divulgaria no dia seguinte, e isso tinha um valor comercial enorme. Hoje, com a mídia pulverizada, perde o sentido. Mais valor se agrega com a análise daquele fato dentro um contexto”. Trazer mais elementos e dados para o debate é o que Camilo aponta como tendência: “Há demanda para isso. As pessoas querem falar com mais propriedade sobre as coisas, argumentar melhor, sair do nível raso de debate. O hardnews alimenta discussões rasas quando fica aquela desova de fatos e informações”. Para Bruno, entender algo dentro de uma visão de sistema é a coisa mais valiosa no contexto de hiperinformação e hiperconectividade: “Isso que é capaz de criar valor dentro do ruído, tem valor para quem ler, para quem está em busca do próprio sentido do jornalismo, que é qualificar a conversa pública. Para mim, é o novo furo”. Pensador editorial de programação “Eu me questionava muito”, prosseguiu. “Como é o que o profissional da informação está em falência na era da informação? Até que caiu a ficha: a gente não é mais o profissional da informação. A virada é justamente essa: informação, a partir da era da informação, não é mais notícia. É bit. O bit é a informação. A programação é o projeto editorial”. “Quando você cria um aplicativo para cumprir a função do jornalismo, ele se cumpre melhor na era da informação, porque vira um projeto editorial. A migração para o jornalismo digital foi feita nos últimos 20 anos com o jornalista achando que ele tem o monopólio do que é a informação. Ele não se viu como um pensador editorial de programação, mas só de forma, de audiência, de venda de espaço”. E não é isso. O jornalista da era digital precisa estar disposto a analisar com cuidado, empacotar da melhor forma possível (em texto, áudio, vídeo, foto, desenho…) e entregar da forma mais eficiente. Dá trabalho, mas há de valer a pena.