A Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), fundada em 1977, que integra este ano o grupo de marcas apoiadoras do Prêmio +Admirados da Imprensa de Economia, Negócios e Finanças deste J&Cia, sente que precisa de um crescente apoio social e da mídia em geral para fortalecer a luta que trava contra o descaso das autoridades públicas para com a pesquisa científica, em especial no Estado de São Paulo, região em que atua.

Helena Dutra Lutgens

J&Cia ouviu a presidente da entidade, Helena Dutra Lutgens (*), sobre as dificuldades que hoje afligem os pesquisadores e a própria pesquisa e quais caminhos têm sido trilhados na busca de soluções que voltem a dar à pesquisa científica o protagonismo que já teve historicamente nos vários campos do conhecimento.

Jornalistas&Cia – Qual a história da APqC, por que ela foi fundada e quem são os principais idealizadores?  

Helena Dutra Lutgens – Em meados dos anos 1970, pesquisadores científicos dos Institutos Públicos de Pesquisa de São Paulo reuniram-se no auditório do Instituto Biológico, na Capital do Estado, com o objetivo de fundar a sua associação de classe. Após inúmeros encontros, em 2 de agosto de 1977 foi criada a Associação de Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), tendo como objetivos a divulgação, o fortalecimento e a defesa dos institutos públicos de pesquisa paulistas, das atividades de pesquisa e de pesquisadores científicos ativos e inativos. Desde a sua fundação, a instituição expandiu-se e hoje conta com cerca de 2.000 associados. A APqC surgiu com o intuito de promover o trabalho de pesquisadores que têm papel fundamental na produção de conhecimentos científicos e tecnologias em Institutos de Pesquisa localizados em todo o Estado de São Paulo, nas áreas de Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. A associação atua há mais de 40 anos incentivando a pesquisa científica no País, apoiando cientistas e pesquisadores que se esforçam para buscar soluções que melhorem a vida da população e gerem retorno econômico, sustentabilidade, saúde pública e igualdade social.

J&Cia – Quais são os objetivos da entidade e que conquistas mais relevantes ela já obteve para os associados? E para a sociedade, de um modo geral?  

Helena – A APqC tem por objetivos a defesa da pesquisa científica pública de qualidade, voltada para atender às demandas da sociedade, salvaguardar os interesses dos  Pesquisadores Científicos abrangidos pela Lei Complementar Estadual 125, de 18 de novembro de 1975, e demais servidores dos Institutos de Pesquisa Públicos de São Paulo,  bem como a proteção do patrimônio público, cultural e social, de bens e direitos de valor estético, histórico, turístico, paisagístico, arquitetônico, afetivo, do meio ambiente, do consumidor, da ordem econômica, da livre concorrência, da honra e da dignidade de grupos raciais, étnicos, religiosos ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo, sem cunho político ou partidário, com a finalidade de atender a todos que a ela se dirigirem, independentemente de classe social, nacionalidade, sexo, raça, cor ou crença religiosa

Os Institutos Públicos de Pesquisa fazem parte da vida dos paulistas, apesar de o Estado não dar a eles o devido reconhecimento. Seja na saúde, com vacinas e medicamentos do Instituto Butantan, na Agricultura, com estudos e melhoramentos genéticos para a produção de alimentos feitos no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) ou nas áreas preservadas que ainda restam no Estado em função do trabalho de pesquisa e mapeamento feito pelo Instituto Florestal, essas instituições, muitas delas centenárias, contribuem para a qualidade de vida das pessoas. É um trabalho essencial, apesar de algumas vezes invisível, que depende de investimento público.  A Associação dos Pesquisadores Científicos de São Paulo tem se dedicado fervorosamente à defesa dessas instituições, fundamentais para a geração de conhecimento, e à proteção de seus patrimônios, físicos e científicos.

J&Cia – Quantos pesquisadores científicos existem no Estado e no Brasil? Qual o número de associados à APqC? E qual o reconhecimento que essa atividade encontra na sociedade de um modo geral?

Helena – São Paulo é o Estado que mais produz conhecimento científico no Brasil, em um esforço que envolve os Institutos Públicos e universidades. Ao longo dos últimos anos, a falta de concurso público tem provocado um verdadeiro “apagão” na ciência. Quando um pesquisador se aposenta sem que haja outro cientista para dar continuidade a sua linha de pesquisa, ou ao trabalho que vinha desenvolvendo, todo o conhecimento adquirido pode ser perdido, pois muitas vezes são pesquisas que demandam anos de dedicação. Essa negligência do Estado em relação à produção de conhecimento é um tiro no próprio pé, porque São Paulo só se desenvolveu e se tornou o principal Estado da nação, ao longo de décadas, investindo em ciência. Veja o ciclo do café. As variedades produzidas no IAC desde 1932 alavancaram a economia paulista. Sem ciência e sem os Institutos Públicos de Pesquisa, São Paulo perde competitividade.

J&Cia – Quais são, a propósito, os benefícios que a Associação propicia ao corpo associado?

Helena – A APqC oferece aos seus associados apoio jurídico, representação em negociações com o governo e articulação política para melhorar as condições de trabalho. Também promove eventos e debates sobre os rumos da ciência, além de defender reajustes salariais e a valorização das carreiras de pesquisador e servidores de apoio.

Nos últimos anos, o descaso com a ciência e com o serviço público mostrou à nossa associação ser premente a necessidade de divulgar o trabalho dos Institutos Públicos de Pesquisa de São Paulo, levando para a sociedade não só as pesquisas desenvolvidas como o risco que corre o patrimônio público acumulado por essas instituições ao longo da história.

J&Cia – Quais as áreas do conhecimento mais afeitas às atividades da pesquisa científica e como elas estão hoje supridas por esses profissionais? E quais as formações acadêmicas mais presentes na comunidade?

Helena – Seja na Agricultura, na Saúde ou no Meio Ambiente, todos os Institutos Públicos enfrentam desafios e precisam de investimento. A Pesquisa Pública é essencial, porque nem todas as áreas que precisam de estudos receberão aportes da iniciativa privada. Você não vai ver uma empresa investir bilhões para pesquisar o comportamento do mosquito da dengue, a malária, ou alimentos não commodities. Isso quem tem que fazer é o Estado. Para se ter uma ideia da realidade atual, São Paulo tem hoje mais de oito mil cargos vagos nos Institutos de Pesquisa. Além de pesquisadores, faltam profissionais das carreiras de apoio à pesquisa, porque para conduzir um estudo é preciso contar com suporte nos laboratórios, nas áreas de experimentação, nas unidades de conservação etc.. Os Institutos reúnem profissionais com formação em biologia, ecologia, agronomia, química, física e áreas relacionadas. Contudo, a produção do conhecimento está sendo comprometida pelo esvaziamento dos quadros funcionais desses institutos, pois são muitos anos sem a devida reposição por meio de concurso público.

J&Cia – Como tem sido o intercâmbio com associações de outros estados e mesmo internacionais?

Helena – Essa rede de produção científica que São Paulo ainda tem, com 16 Institutos Públicos de Pesquisa, não há em outros estados do País. Dessa forma, a APqC mantém contato e estreito relacionamento com outras entidades ligadas à ciência, como as universidades e a SBPC. Além de manter vínculo com outras entidades que defendem o serviço público, como a Frente em Defesa do Serviço Público de São Paulo, a Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado (Conacate), a Pública Central do Servidor, o recém-criado MovE, Movimento Eficiência no serviço público, entre outros.

J&Cia – Em termos de legislação, a atividade e os profissionais da pesquisa científica estão amparados ou é preciso avançar nesse campo? O que tem sido feito nesse sentido?

Helena – No Estado de São Paulo há uma lei específica que criou a carreira de pesquisador científico, época em que o Governo do Estado e os legisladores reconheciam a importância da ciência para a competitividade do Estado e para o desenvolvimento de políticas públicas. Algo inédito no País. Contudo, ao longo dos anos, os Institutos Públicos, onde atuam esses pesquisadores, passaram a enfrentar enormes desafios. Os pesquisadores científicos de São Paulo estão com seus salários extremamente defasados, há mais de dez anos sem ao menos a reposição da inflação e muito abaixo dos salários de pesquisadores que atuam em atividades equivalentes em outras instituições. Esse fato, aliado aos processos naturais de redução de quadro, como aposentadoria ou falecimento, colabora para que São Paulo perca cientistas, pois muitos acabam buscando oportunidades de trabalho mais bem remuneradas e devidamente valorizadas. Nos últimos anos, a APqC tem se empenhado em debates legislativos e audiências públicas para discutir o desmonte dos institutos de pesquisa e a necessidade de uma política de ciência e tecnologia mais robusta.

Crédito: Freepik

J&Cia – A APqC decidiu apoiar, este ano, pela primeira vez, o Prêmio +Admirados da Imprensa de Economia, Negócios e Finanças, realizado por este Jornalistas&Cia, e com isso estará ao lado de marcas de grande prestígio nesse ecossistema. Para nós, organizadores, foi uma grata surpresa ver uma instituição focada nos profissionais de pesquisa interessada em apoiar o jornalismo de economia. Pode explicar as razões desse apoio?

Helena – O apoio da APqC ao Prêmio +Admirados da Imprensa de Economia, Negócios e Finanças reflete a importância do diálogo entre ciência e sociedade, especialmente no contexto econômico. Os jornalistas, muito atacados em um momento recente do País, são formadores de opinião essenciais para a democracia, porque fazem isso com credibilidade e isenção. Se queremos uma sociedade engajada em favor da pesquisa pública, precisamos começar por quem a informa.

É de extrema importância que os brasileiros, especialmente os paulistas, saibam que o Estado de São Paulo possui, atualmente 16, mas já foram 19, institutos de pesquisa que tem todo o potencial para oferecer o conhecimento necessário para orientar o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o enfrentamento da crise climática na qual estamos mergulhados. Seja em relação à segurança alimentar, ao desenvolvimento de vacinas ou ao controle de endemias, seja no campo da conservação ambiental, São Paulo poderia, ou deveria, estar na vanguarda, oferecendo soluções para os problemas, não fosse a negligência com a qual os governantes têm tratados os Institutos Públicos de Pesquisa.

Extinguir os três institutos em matéria ambiental do estado − Instituto Florestal, Instituto de Botânica e Instituto Geológico −, juntamente com a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), em meio a pandemia que indicava o agravamento da crise ambiental/climática, é uma demonstração desse descaso.


(*) Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC e pesquisadora científica do Instituto Florestal desde 2004, é formada em Ecologia (Unesp), Mestre em Conservação e Manejo de Recursos (Unesp) e Doutora em Ecologia e Recursos Naturais (Ufscar). Antes de entrar para a carreira de pesquisadora, atuava, desde 1994, como servidora pública no cargo de assistente de pesquisa do Instituto Florestal. Suas principais atividades na área da pesquisa pública envolvem Unidades de Conservação, Zonas de Amortecimento, Interpretação da Natureza, Educação Ambiental, Plano de Manejo e Capacitação. No fim de 2023, após dois anos como vice-presidente, foi eleita presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) para o biênio 2024/2025.

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