O clima de excitação causado pela emocionante corrida do GP São Paulo de Formula 1, realizado em 14/11, foi interrompido bruscamente por uma mensagem que logo se espalhou pelos diversos grupos de whatsapp de jornalistas automotivos: “Nosso amigo Josias Silveira acaba de falecer”.
Sem nenhuma comorbidade aparente, e sempre muito disposto e ativo, sua morte pegou de surpresa todo um segmento que por ele tinha profunda admiração e carinho. “Meu pai se foi, dormindo”, explicou seu filho, o também jornalista Guilherme Silveira, o Badu.
Seu último evento havia sido três dias antes, na quinta-feira (11/11), quando esteve em uma apresentação do Honda City. Na ocasião, ele representava Fernando Calmon, para cuja coluna contribuiria com um texto. “Perdi, além de um amigo, um cara que me ajudava muito”, lamenta Calmon. “O Josias era um caso raro de profissional que dominava duas e quatro rodas com a mesma qualidade e detalhamento técnico, o que não é nada fácil”.
Como muitos de sua geração, incluindo o próprio Calmon, Josias começou no jornalismo por um acaso. Ele estudava Engenharia Mecânica na Faculdade Mauá, enquanto sua esposa cursava Jornalismo na USP. Entre um emprego e outro, começou a produzir alguns trabalhos freelance. Mais tarde, pelo seu conhecimento em mecânica, começou a fazer reportagens sobre carro, moto, barco e avião para a revista Status, da Editora Três.
Com a boa repercussão do conteúdo, Domingo Alzugaray, fundador e dono da Editora Três, decidiu então apostar na criação da Status Motor, que seria um embrião para o lançamento mais tarde da Motor3.
“Na mesma época minha esposa estava no Jornal da Tarde, e trabalhava com o Miguel Jorge, que um dia chega para mim e fala: meu, os caras são loucos, eles querem fazer uma revista de moto. Eu não entendo nada disso, mal ando de bicicleta. Não quer fazer comigo? Assim eu não falo bobagem, você me ajuda com a parte técnica, com o conhecimento específico, e eu toco a redação”, comentou Josias em uma entrevista especial para o Flatout, publicada no ano passado, e republicada nesta semana em homenagem a ele.
Josias tinha então uma decisão difícil pela frente. Participar da equipe responsável por lançar a Motor3 ou a Duas Rodas. “Eu tinha que escolher uma. Acabou que resolvi fazer a Duas Rodas com o Miguel Jorge. Foi muito bom. A revista cresceu pacas, explodiu em dois ou três anos. Chegamos a passar a Quatro Rodas em tiragem!”, explica. Com a saída de Miguel Jorge para o Estadão pouco depois do lançamento da Duas Rodas, Josias assumiu a redação da revista, ocupando o posto por 42 anos.
Anos mais tarde, um novo projeto de sucesso veio com o lançamento da revista Oficina Mecânica. A publicação tinha tanto a cara dele, a essência de “graxeiro”, como ele gostava de brincar, que ainda hoje é reconhecida por muitos do setor como “a Oficina Mecânica, do Josias”.
Em 2011 lançou o livro Sorvete de Graxa (Europa), e nos últimos anos, com o fim da Oficina Mecânica, e sua saída da Duas Rodas, vinha colaborando com diversas publicações do setor. Era editor da revista Top Carros e do site Autoentusiastas, onde também respondia pela seção Motoentusiastas.
O “tio” de uma geração
Em um setor em que as relações pessoais e profissionais são tão intensas e constantes, principalmente pelas dezenas de viagens e eventos de lançamento realizados ao longo do ano, Josias Silveira se destacava por ser atemporal. Seu relacionamento com os mais jovens não se limitava apenas a orientar e passar sua experiência. Ia além. Era de amizade e respeito mútuo.
Por isso, logo ganhou dos mais novos o apelido de “tio”, que por ele tinham não apenas admiração, mas também um profundo carinho.
A partida foi precoce, aos 75 anos completados em outubro. E ainda que tivesse ocorrido décadas mais tarde, também seria. Josias Silveira deixa, além da esposa Evelyn, os filhos Guilherme (Badu) e Felipe (Pinho), três netos, e algumas dezenas de sobrinhos postiços.
O adeus a Josias Silveira…
“Devastado. Foi o Josias Silveira quem deu a primeira oportunidade de ouro que tive no jornalismo automotivo.
Fui indicado pelo Rodrigo Leite e sabatinado pelo Eduardo Pincigher: um dos dois falou para o tio que o barbudo que vos escreve enganava muito bem.
O tio gostou do meu trabalho: manifestou mais de uma vez que eu tinha tarimba para o ofício e que gostava das minhas traduções e das ’transcrições técnicas didáticas‘ que esclareciam os leigos sem molestar os ouvidos dos iniciados.
O tempo passou e o Rodrigo foi embora para a Quatro Rodas. Não demorou muito para cutucar outro grande amigo, o Zeca Chaves, ocupando então o cargo de editor-chefe. E foi assim que o Rodrigo acabou me roubando do tio Josias (o Rodrigo me ama de paixão e sabe que é correspondido).
A amizade com o tio continuou a mesma: ela era maior e mais importante do que qualquer relação de trabalho. Nossas conversas eram praticamente semanais: tive a oportunidade de ajudar o amigo nos melhores e nos piores momentos dos últimos 20 anos (e vice-versa).
O nosso tio era pai do Badu Silveira e do Pinho Silveira mas dispensava a todos nós o mesmo amor paternal, o mesmo carinho e a mesma atenção. Se não está sendo fácil para nós não sou capaz de imaginar como deve estar sendo para eles.
Ainda me faltam palavras para descrever a sua importância. Só me resta agradecer por tudo e lhe desejar um caminho repleto de luz, paz e muita gasolina celestial.
Vai com Deus, tio. Acelera com gosto e pendura bonito nas curvas, no limite da aderência.
E continue olhando por nós aqui embaixo.” (Felipe Bitu)
“O Sonho acabou?
Definitivamente não! O dia em que perdermos nossa capacidade de sonhar, nossa vida deixa de caminhar avante e vamos nos transformar em algo inerte, sem vida. Um dos grandes exemplos de sonhador era a do meu grande amigo Josias Silveira.
Ele sempre sonhava com algo grandioso, seja em uma simples reportagem ou até em um ambicioso e grandioso projeto, o sonho do Josias sempre falava mais alto. Até mesmo quando comprava carros bem ‘desmaiadinhos’, em péssimo estado de conservação, o sonhador Josias trabalhava por meses e até anos para transformar aquele amontoado de peças velhas em um glorioso e respeitado carro que todos admiravam.
Um sonho que na mente do Josias quando via um carro velho e se materializava como um veículo perfeito para o uso que parecia novo. Ao longo dos anos, cansei de acompanhar esses processos de recuperação de velhos carros transformados em bons veículos, graças à dedicação e trabalho do Josias que, na realidade, começava em sua mente como um sonho.
Agora, esse velho parceiro partiu. Mas isso não significa que o sonho acabou. Esse meu velho amigo de quase 40 anos, tenho a certeza, vai continuar concretizando os seus sonhos lá no plano de luz.
E nós aqui vamos ficar com saudades de suas risadas, piadas e sua maneira leve e tranquila de levar a vida. Vão ficar as saudades das viagens aos Estados Unidos, quando depois da cobertura do Salão de Detroit esticávamos a viagem por mais alguns dias para comprar cacarecos e peças para carro que trazíamos tudo para cá. Falei com ele no sábado à tarde e no domingo após o almoço alguém me disse que ele havia partido dessa vida. Inacreditável como a vida é frágil! Vá na paz de Deus meu grande amigo! Você fará falta a todos nós! Continue sonhando aí onde está que nós continuaremos a sonhar aqui onde estamos!” (Douglas Mendonça)
“Você vai fazer uma falta enorme aqui, tio. Ainda bem que a gente rompeu os protocolos e se abraçou esta semana no evento. Eu tava com muita saudade de você. Você era uma enciclopédia e mesmo assim tinha toda a humildade do mundo de dividir seu espaço com quem sabia menos dos carros e das motos. Era absurdo em tudo que fazia, mas era ainda um jovem divertido todo o tempo. ‘Vem cá, negão’, era o que você sempre dizia quando a gente se via, com os braços abertos. Tio, vou sentir muito sua falta. Espero que sua passagem seja tranquila” (José Antonio Leme, UOL)
“Eu gostava de ler os textos do Josias Silveira e fazia questão de ser o melhor ouvinte quando tinha a oportunidade de estar com ele. Foi numa dessas que acabou me convencendo a comprar um Twingo. Toda a conversa foi uma aula. Fazia rir pelas histórias e pelas peripécias. Como quando fez seu fumódromo no ônibus, travado no trânsito de Wuhu, para fumar antes de pegarmos o trem. Vá em paz, tio Josias. E obrigado por tudo.” (Henrique Rodriguez, Quatro Rodas)
“Uma perda enorme, um amigo sempre com um sorriso, uma palavra interessante, uma explicação, uma boa piada… Um jornalista com alma de poeta, que transformava mecânica em coisa simples, fácil de entender. Um repórter na acepção da palavra, alguém a sair de Manaus, em uma Honda 125 cc, com destino a São Paulo há várias décadas, sem celular, sem meios de comunicação, apenas com a coragem e o conhecimento ímpar de motos.
Mas não parou por aí: criou revistas importantes, tanto de motos quanto de autos. E se divertia com as aventuras de empreendedor. Formou muito dos bons profissionais que estão por aí. Era didático e divertido nas conversas…
Uma vez, já em AutoData, fui conhecer o Campo de Provas da Honda no meio da Floresta Amazônica, ao norte de Manaus.
Quando cheguei lá, a primeira pergunta dos técnicos − tanto brasileiros, quanto japoneses −: cadê o Josias? Ele não veio? Era um ídolo das diferentes produtoras ou importadoras de moto.
Mas sua paixão eram as Vespas. Tinha uma coleção de velharias − ele chamava de relíquias − que ele montava, fazia transplantes de peças e componentes e saia a testar na Castelo Branco.
Também teve carros interessantes, como um Mercedes-Benz diesel, além de modelos de marcas as mais diferentes possíveis. E sempre consertava, modificava, aprimorava. Dirigia qualquer máquina com uma facilidade impressionante…
Com certeza foi embora de Vespa rumo à Via Láctea…” (Fred Carvalho)
“’Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina’. Essa frase de Cora Coralina se aplica bem ao Josias Silveira. Uma referência no jornalismo automotivo que nos deixou ontem e soube transmitir todo o seu conhecimento, seja através dos textos ou de uma conversa informal em um evento de lançamento. Que Deus o receba com muitos projetos pra realizar lá em cima.” (Renato Bellote, Garagem do Bellote)
“Foram tantas viagens de carro e de moto juntos, com esse sujeito maravilhoso, de cara séria, mas sorriso fácil, que eu nem lembro quantas. Não era para você ir tão cedo assim, ’tio’ Josias Silveira, definitivamente não era. Ainda tinha muito que ensinar para a jovem guarda dos jornalistas automotivos. A Alfa perde um grande fã e eu perco um ídolo. Descanse em paz, meu amigo!” (Diego Ortiz, Estadão)
“Nós nunca sabemos quando vai ser a última conversa com alguém, não é mesmo? Meu último papo com o Josias foi na sexta-feira, num evento de lançamento. Felizmente, falamos porra nenhuma sobre o lançamento e ficamos falando sobre as nossas tralhas velhas. Entre um bullying e outro por nossas escolhas exóticas e caras de manter e os carros que já tivemos, ele me lança um Gol 1.0 16V (bolinha), pouco rodado, como a sua mais recente adoção. Claro que não pude deixar de sacanear. De consolação, fica o fato de nossa última conversa ser sobre as coisas que ele ama…” (Juliano Barata, FlatOut)
“Foram 15 anos de convivência diária, vividos no calor da redação da revista Duas Rodas. Cada pauta, cada palavra nas laudas, as viagens, os testes absurdamente criativos como esse entre a minimoto do Tani e a trambolhosa Amazonas e seu motor 1.600cc da Volks (o Josias Silveira na Amazonas e eu na minimoto, em foto de Juvenal Pereira), tudo era feito com enorme empolgação, o que incluía calorosas polêmicas. Nada, porém, abalou nossa amizade. Continuamos amigos, mesmo quando troquei os motores pela informática da Revista do CD-ROM e depois pelos livros e pelas plantinhas da Revista Natureza, ao deixar a Sigla Editora e ir trabalhar na Editora Europa. Tanto que tive a honra de ser seu editor no livro Sorvete de Graxa. Agora Josias se foi aos 75 anos. Adeus, meu amigo. Foi um enorme prazer conviver e aprender com você. Saudades eternas…” (Roberto Araújo)