Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Para quem se preocupa com desinformação na sociedade e seus efeitos sobre o jornalismo, a edição 2022 do Digital News Report do Instituto Reuters em Oxford reconfirma os piores temores. Ela é uma das razões para a queda significativa na confiança do público nas notícias.

A confiança aumentou em apenas sete dos 46 países pesquisados, e o Brasil não está entre eles. Perdeu sete posições, mas ainda assim aparece em 14º lugar, com 48% confiando nas notícias. A média global é de 42%.

O resultado pode parecer estranho, pois a imprensa ganhou credibilidade depois da Covid, quando o mundo entendeu a importância de separar informação de boato ou ciência de fake news.

Mas ele se explica examinando-se aspectos da pesquisa que mandam alguns recados.

As mídias sociais já superam o acesso direto pelos sites ou apps dos veículos de comunicação como fontes de notícias no mundo. Segundo o Reuters, foi a única forma de acesso que cresceu no Brasil em 2022, com 64% dos brasileiros afirmando terem se informado por elas na semana anterior às entrevistas – aí incluindo o acesso aos veículos jornalísticos presentes nas mídias sociais.

O YouTube destronou Facebook e WhatsApp como principal mídia social para informação no Brasil e em outros quatro países. Mas os que cresceram mais no Brasil e no mundo foram Instagram e TikTok, enquanto o Facebook perdeu terreno como fonte para se informar.

Ao quantificar o tamanho da audiência que se informa pelas redes, o estudo junta os canais de veículos confiáveis e de jornalistas responsáveis com mídias partidárias e extremistas, que propagam discurso de ódio. Ou figuras como o podcaster Joe Rogan, que fez Neil Young retirar suas canções do Spotify em protesto contra desinformação sobre a Covid.

Dentro desse balaio, o jornalismo responsável acaba contaminado pelo mau jornalismo ou pelo não jornalismo. Para pessoas comuns, é tudo “mídia”.

Assim, o jornalismo acaba afetado de duas formas: uma é o efeito de estar no mesmo ecossistema, dificultando perceber as diferenças; outra são os ataques diretos para desacreditar a grande imprensa e as mídias independentes.

Uma evidência do efeito desse movimento é que os EUA ficaram empatados em último com a Eslovênia como país onde que a população menos confia nas notícias. Difícil não associar esse resultado aos anos de Donald Trump disparando contra a imprensa.

Reconquistar a confiança do público demanda educação midiática, e não apenas para identificar fake news.

É preciso fazer o público perceber a diferença entre jornalismo confiável e o que não pode ser chamado de jornalismo.

Crédito: Nordwood Themes/Unsplash

Nos tempos de notícias pela TV, rádio ou impressos isso não era tão importante, salvo em países onde jornais sérios e tabloides convivem na mesma banca.

Agora estão todos debaixo do mesmo teto digital, disputando a atenção de uma turma chamada pelo Reuters de “nativos sociais”. Eles não têm a referência de grandes nomes do jornalismo como as pessoas acima de 50 anos − que por sinal compõem 50% dos que aceitam pagar por notícias.

Mas há coisa pior do que duvidar da credibilidade: desligar a tomada. Mesmo depois de a Covid ter provado o valor das informações confiáveis, o público continua se afastando do noticiário em todos os países pesquisados.

A “evasão seletiva” subiu de 29% em 2017 para 38%% em 2022. No Brasil ela dobrou em cinco anos, batendo 54%.

Há motivos óbvios, como o efeito negativo sobre o humor. E outros nem tanto. Pessoas abaixo de 35 anos e menos instruídas declararam que simplesmente não entendem as notícias. O Brasil está em segundo lugar onde isso mais acontece, numa comparação feita pelo Reuters entre 12 países.

Pensando que boa parte dessa faixa etária está nas mídias sociais, é fácil entender porque se afastam de coisa séria para seguir absurdos que podem estar sendo mais hábeis em falar uma língua que eles entendem.

Nesse caso, não adianta culpar as plataformas. O jornalismo tem um dever de casa, que é oferecer conteúdo compreensível por quem não faz parte da mesma geração ou da mesma elite que produz o noticiário. (Leia mais)


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