Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia
O ditado “não há nada tão ruim que não possa piorar” aplica-se bem ao terremoto que sacudiu o Reino Unido nos últimos dias. A crise política disparada pela revelação de que Dominic Cummings, o principal assessor do primeiro-ministro Boris Johnson, quebrou as duras regras de isolamento social impostas desde março no país acirrou ainda mais a tensão entre Governo e imprensa. E a condução do caso não tem sido exatamente um exemplo de gestão de crises.
Cummings é um eficiente estrategista, responsável pelo sucesso da campanha do Brexit e por bloquear as tentativas da oposição de impedir a saída do país da União Europeia, levando Boris Johnson a uma esmagadora vitória nas eleições gerais de 2019. Ao mesmo tempo, conquistou desafetos na política por seu estilo outsider e ascendência sobre o primeiro-ministro sem ser parlamentar eleito, algo atípico na Grã-Bretanha. E esnoba solenemente a imprensa, sendo apontado como o mentor de iniciativas de bloqueio do acesso de jornalistas que cobrem o Governo.
O risco de não colecionar amigos cobrou seu preço quando The Guardian e Daily Mirror denunciaram na noite de 21/5 uma viagem do assessor a Durham, distante 260 milhas de Londres, para visitar os pais idosos junto com a mulher − jornalista do The Spectator − e o filho. Era um momento em que ninguém podia viajar, nem visitar parentes. Para piorar, ambos estavam com sintomas do vírus.
Passos incertos na crise − O episódio deixou o Governo sob artilharia pesada, obrigado a fazer as escolhas complexas que se apresentam em crises. Deixar o caso esfriar sozinho? Jogar o assessor ao mar? Organizar uma saída honrosa? Pedir desculpas e tentar o perdão do povo?
Quem milita em comunicação sabe que gestão de crises não é ciência exata. Mas há experiências demonstrando o que pode ou não dar certo.
A história mostra que esperar um escândalo evaporar por conta própria é arriscado. Ainda mais em um tema sensível por envolver saúde pública, famílias separadas por meses, gente que perdeu parentes para a doença. No entanto, foi o que o Governo tentou primeiro, sem sucesso.
Passou então à defesa incondicional do assessor pelo primeiro-ministro, que se expôs em um pronunciamento formal na TV na noite de domingo garantindo a permanência de Cummings no cargo. Manobra discutível, que acabou arrastando o líder do país para o epicentro da indignação, pelo desrespeito de um poderoso às regras que valiam para todos.
Transparência é recomendável nessas horas, dizem os manuais. Seja com defesa fundamentada, ou admitindo-se as falhas e assumindo compromisso de correção. Não foi o que aconteceu.
A coletiva que Cummings deu em 24/5 virou um tiro pela culatra. Foram 70 minutos de sabatina diante dos principais jornalistas do país, transmitida ao vivo, com o assessor solitário usando argumentos frágeis para justificar o motivo de ter quebrado o isolamento social.
E o principal risco assumido foi não usar aquela palavrinha mágica: “desculpe”. O resultado foi um massacre, com uma avalanche de posts nas redes sociais e capas dos jornais salientando justamente a falta de arrependimento.
Para não dizer que isso é coisa de jornalista implicante, vale observar o que pensa o povo. Uma pesquisa do Instituto YouGov apontou que 59% da população acham que ele deve renunciar, e apenas 27% pensam que deve ficar. E 57% acham que a imprensa foi muito justa ou justa, contra 33% que acham que foi injusta ou muito injusta.
Declaração de guerra − Mas quando a notícia é ruim, mate-se o mensageiro. O relacionamento com a mídia, que já não andava bem, piorou após a declaração do Governo de que não perderia tempo respondendo ao que classificou de campaigning newspapers. E que a culpa de a população estar enraivecida era da imprensa.
A postura motivou uma reação da Society of Editors, que enviou uma carta de protesto ao Governo, instando-o a responder a todos os veículos, mesmo os que considere hostis.
Independentemente do que aconteça com Cummings, o episódio proporciona reflexões sobre práticas de administração de crises. E mostra que equilíbrio em vez de combate na relação com a imprensa, mesmo quando a notícia não agrada, tem mais chances de funcionar. Além de ser melhor para a sociedade.