A Delegacia de Polícia de Olímpia, no norte de São Paulo, divulgou em 1º de abril o nome do suspeito de incendiar a sede do jornal Folha da Região. No que pode até soar como uma pegadinha do Dia da Mentira, Claudio José de Azevedo Assis, integrante do Corpo de Bombeiros da cidade, confessou ter ateado fogo no sobrado onde também vive o dono do veículo, o jornalista José Antônio Arantes. O crime ocorreu na madrugada de 17 de março.
O militar se apresentou espontaneamente à delegacia, na tarde de 31/3, quando, segundo autoridades, assumiu a autoria do incêndio. A polícia civil já suspeitava que o ato teria sido uma resposta ao posicionamento do jornal em defesa de medidas científicas e legais para enfrentar a pandemia de covid-19.
Em depoimento à polícia, o bombeiro disse que o ato foi “uma revolta contra a imprensa, que não estaria ajudando no combate à situação de crise sanitária”. Ele completou ainda desconhecer que a sede do jornal era também a casa do jornalista e que estava mentalmente “transtornado” por questões pessoais.
Segundo o delegado, oito dias depois do atentado à sede do jornal, a irmã do bombeiro registrou seu desaparecimento. A partir de uma câmera de segurança, os policiais descobriram que o militar saiu de casa na madrugada do dia do crime com uma mochila, por volta de 4h10, cerca de 10 minutos antes do crime. De acordo com o delegado, o bombeiro afirmou ter agido sozinho.
Questionado pela Abraji sobre o motivo de não ter solicitado a prisão preventiva diante das provas, o chefe da investigação declarou ter havido “uma apresentação espontânea, além de ele ter a ficha limpa e residência e emprego fixos”.
No entanto, para o dono do jornal incendiado, José Antônio Arantes, a identificação do suspeito não trouxe segurança. “É difícil imaginar que uma pessoa treinada para salvar vidas possa cometer esse crime. O fogo poderia ter se alastrado. Você acha que um bombeiro não saberia disso? Que poderia ter matado uma vizinhança inteira? É inconcebível”, afirmou o dono do jornal. Arantes teme que o bombeiro possa ser acometido de um “novo surto psicótico”.
O jornalista não descarta a possibilidade de o crime ter sido encomendado por pessoas descontentes com a sua cobertura da pandemia, que poderiam voltar a atacá-lo.
Em nota, a Prefeitura de Olímpia manifestou repúdio à conduta do servidor público, que atuava na unidade local do Corpo de Bombeiros do Estado havia mais de 20 anos. “Diante da gravidade do fato, o município informa que irá afastar o servidor de suas funções e instaurar um processo administrativo para apurar a ocorrência, tendo em vista que, mesmo que tenha sido uma ação particular ocorrida fora do expediente, o ato é totalmente incompatível com os princípios do cargo público que o mesmo ocupa”.
Nas redes sociais, o bombeiro, além de se manifestar contra as medidas restritivas de combate à pandemia, se posiciona em favor do governo de Jair Bolsonaro e de medidas antidemocráticas, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Leticia Kleim, assistente jurídica da Abraji, que monitora alertas de ataques à liberdade de expressão afirma que o caso chama atenção de como as campanhas de estigmatização contra a imprensa, protagonizadas pelo poder público federal, podem resultar em ataques ainda mais graves que colocam em risco a vida e integridade física dos jornalistas, além de ameaçar o ambiente democrático.
* Com informações da Abraji