Por Luciana Gurgel
O ex-jornalista Boris Johnson deixou o cargo de primeiro-ministro britânico na terça-feira (6/9) com a mesma habilidade com a mídia que o transformou em um dos políticos mais populares da atualidade.
“Popular” não é empregado aqui no sentido de admirado. Depois de quase um ano de desgastes na imagem por escândalos como o recebimento de doações para redecorar a residência oficial com papel de parede folheado a ouro, o Partygate e o acobertamento a colegas de partido acusados de assédio sexual, ele se retirou com um gosto amargo.
A última pesquisa do instituto YouGov revelou que só 22% dos britânicos acham sua gestão boa ou ótima, enquanto 55% a avaliam como ruim ou terrível.
Um resultado lamentável para quem entregou o Brexit, apoiado por metade do país. E que reverteu a má impressão inicial sobre a gestão da pandemia com um programa de vacinação que fez o povo esquecer dos primeiros dias de caos.
Mas o evento midiático da partida não espelhou isso. Foi marcado para 7h30 da manhã, hora em que dificilmente muitos que se opõem a ele estariam no centro de uma Londres chuvosa para protestar.
Johnson, ou algum de seus assessores − quem sabe sua mulher, Carrie, ex-diretora de comunicação do Partido Conservador −, pensou bem ao marcar o horário.
Uma claque formada por funcionários públicos e parlamentares do círculo próximo aplaudiu o líder.
Imagens da saída da casa, enfrentando um corredor polonês de assessores batendo palmas quando ele se dirigia ao pódio para falar à nação, foram reproduzidas durante todo o dia nas TVs.
O mundo cor de rosa projetado por Johnson no discurso entusiasmado foi um movimento de comunicação destinado a contornar uma crise de imagem maior, que pode custar ao Partido Conservador a perda do governo nas próximas eleições gerais, marcadas para 2025, mas que podem ser antecipadas.
Ele não escondeu o ressentimento pelo que considera uma manobra do partido para forçar uma renúncia e assim evitar uma derrota em uma votação de não-confiança. Mas logo emendou em uma declaração de apoio à nova primeira- ministra, Liz Truss.
E fez uma comparação com o mundo animal de Downing Street para pedir união no partido desgastado pela briga pública entre os dois concorrentes ao cargo, Truss e Rishi Sunak, durante os debates eleitorais. Johnson disse que todos devem se entender como se entenderam seu cão Dylan e o lendário gato da sede do governo, Larry.
Muitos indagam agora sobre o futuro de Boris Johnson. Poderia ser desastroso, caso ele tivesse saído do governo logo após a renúncia.
Mas em seu estilo ousado, ele desafiou o padrão e ficou até a passagem do bastão para Liz Truss, aproveitando o tempo para reparar sua imagem com visitas à Ucrânia e eventos midiáticos para consolidar sua reputação de líder “fazedor”.
Há rumores sobre sua possível volta como primeiro-ministro eleito, por ser o nome mais forte do partido Conservador para disputar eleições gerais e evitar a perda do governo para o Partido Trabalhista.
Antes disso, o midiático Johnson deve aproveitar a visibilidade para voltar ao jornalismo, escrevendo colunas − como as que publicava no jornal Daily Telegraph antes de assumir o comando do governo − e ingressar no milionário mundo das palestras.
Embora cultive um estilo exótico, com os cabelos despenteados fazendo a alegria dos cartunistas, Boris Johnson inscreveu seu nome na política global. E defende teses caras ao empresariado, como deixou claro seu discurso de despedida, em que enalteceu a iniciativa privada.
Parece um recado para possíveis contratantes, que podem ajudá-lo a cumprir suas novas metas.
Segundo fofocas da imprensa britânica, ele gostaria de arrecadar 3 milhões de libras em um ano, dinheiro suficiente para comprar uma casa nova, sustentar seu alto padrão de vida e cumprir obrigações com uma penca de filhos de casamentos e relacionamentos anteriores.
Pela aula de RP que deu na despedida, não vai ser difícil.
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