O Portal dos Jornalistas conversou com Bruno Paes Manso, autor do livro A República das Milícias, sobre o novo podcast de mesmo nome que aborda o funcionamento das milícias no Rio de Janeiro. A produção, semanal, foi feita em parceria com a Radio Novelo, e o segundo episódio já está no ar.
Bruno, que apresenta o podcast, falou sobre o processo de criação e produção, como foi feita a adaptação de uma obra escrita para o formato em áudio, a característica cinematográfica e imagética da produção, efeitos sonoros, e a importância dos podcasts.
Confira a seguir a entrevista:
Portal dos Jornalistas − Como foi o processo de produção?
Bruno Paes Manso: O processo de produção especificamente para esse formato levou em torno de oito meses. Fizemos novas pesquisas, novas entrevistas, viagens para o Rio e estamos finalizando os episódios agora. Mas podemos dizer que, no geral, levou uns dois anos, já que as pesquisas para o livro que o originou tiveram início em 2019. Apesar de ser um assunto sobre o qual eu me debruço há algum tempo, esse novo mergulho me trouxe outros olhares. E está, de certa forma, acrescentando ao podcast muita coisa que no livro tinha passado. Então, encontrar outros personagens para entrevistar, preencher algumas lacunas, tem sido muito empolgante em diversos sentidos.
Portal − Como foi feita essa adaptação de conteúdo escrito para áudio?
Bruno − Tenho dois grandes roteiristas ao meu lado e tivemos que repensar tudo absolutamente do zero. Como a gente contaria a história, respeitando o arco narrativo do livro, mas criando um outro que funcionasse mais com o áudio. Fico muito impressionado com a qualidade, com a preocupação deles de amarrar uma linha com a outra, cada fala, para manter o ritmo da história. É um quebra-cabeças incrível.
Portal − De que forma esse roteiro mais cinematográfico foi elaborado?
Bruno − Tem sido um desafio construir um roteiro com essa linguagem mais imagética e, ao mesmo tempo, conseguir áudios para que as pessoas sintam-se mais próximas e mais presentes daquilo que estou contando. A condução fica mais por conta de Vitor Hugo Brandalise e Aurélio de Aragão, e eu faço as minhas contribuições.
Fico sempre muito impressionado com o trabalho que eles estão fazendo, com a qualidade e com a preocupação de amarrar uma história com a outra, uma linha com a outra, cada fala sempre muito bem encaixada, para que se mantenha o ritmo da história. Acho que o República ganhou muito com esse estilo de roteiro muito bem desenhado e com o poder de criar um clímax ao final de cada episódio, evoluindo e gerando expectativa para o seguinte.
Portal − Como foi feita a escolha dos efeitos sonoros/músicas?
Bruno − A trilha foi pensada e feita por Pedro Leal David (responsável pela música original e identidade sonora). A gente primeiro discutiu o caminho, pois precisava de um certo peso, somado a uma certa ginga. Chegamos a referências como O Rappa e Planet Hemp. Outra intenção foi a de passar uma sonoridade meio mística, um som inspirado em bandas como Tincoans, que traz elementos do Candomblé. Também apareceram sons urbanos, típicos da própria cidade, como de tiros, do trânsito, de passarinhos, tudo junto e misturado.
Portal − Sobre o tema do livro, qual foi a maior dificuldade que você encontrou para escrever?
Bruno − É sempre delicado falar de temas que são considerados tabu, que são censurados pela lei do silêncio. Há a preocupação com a integridade dos entrevistados, que revelam histórias pessoais e que às vezes podem se voltar contra eles próprios. Outro desafio foi o de contar uma história que desse sentido a quase 50 anos de acontecimentos acumulados, escolher as histórias e os personagens mais relevantes para dar sentido a essa trama.
Portal − Para você, qual é a importância dessa produção?
Bruno − Acho que levar as pessoas a refletirem sobre uma realidade que estamos vivendo e que precisa ser mudada. Se não compreendemos o que estamos vivendo, nosso cotidiano, fingimos que não existe e ele não muda. É como o processo de terapia: se você não olha para dentro e não assume seus conflitos, seus ódios, seus podres, você não amadurece. Então, é para que ajude a gente a se olhar como sociedade, para que, com consciência desses desafios, a gente se transforme.
Portal − Você teria mais algum fato/curiosidade que julga interessante para compartilhar conosco?
Bruno − Minha mãe é do Rio e toda a família por parte dela também. Ela morreu quando eu tinha cinco anos de idade, mas minha avó morava no Jardim Botânico e eu ia de uma a duas vezes por ano para lá. O Rio sempre foi emocionalmente muito forte para mim. Assim, além da questão social e política da cidade, de alguma forma também envolve uma questão emocional e pessoal de voltar, encarar, revisitar e aprender com a cidade.