“Caminhando e cantando e seguindo a canção”… #quemnunca ouviu esse verso? Geraldo Vandré, autor de Pra não dizer que não falei das flores, que à revelia dele tornou-se hino contra a repressão militar no fim dos anos 1960, é o personagem principal da obra do jornalista Vitor Nuzzi: a biografia não autorizada Geraldo Vandré – Uma canção interrompida. Insistente, Nuzzi não esmoreceu com a falta de “trato” de seu protagonista, que em todas as tentativas de aproximação ignorou-o solenemente. O autor também não se deixou abater com a falta de editora: imprimiu por conta própria cem exemplares do livro. Essas e outras histórias sobre o longo processo de produção do livro Vitor conta em entrevista ao Portal dos Jornalistas: Portal dos Jornalistas – Como surgiu seu interesse pela história do Geraldo Vandré? Vitor Nuzzi – Eu ouvia música brasileira desde pequeno, literalmente, já que meus irmãos, mais velhos do que eu, estavam sempre com discos na vitrola. Chico, Milton, Gil, Caetano, Luiz Gonzaga, Adoniran… E Vandré. Era início dos anos 1970. Um dia, ouvi uma canção chamada De serra, de terra e de mar, que me chamou a atenção pela beleza dos versos. Fiquei sabendo que se tratava de um cantor e compositor que havia deixado o Brasil, retornara em condições nebulosas e nunca mais fez shows, nunca mais se apresentou. Além das canções, que me pareciam diferentes de tudo o que já havia ouvido, chamou-me a atenção exatamente o silêncio do cantor. Portal dos Jornalistas – Como foi a reação dele quando soube do livro? Nuzzi – Quando ele soube do projeto do livro, há aproximadamente oito anos, disse que não estava interessado, nem tinha tempo, “nas coisas que você anda fazendo”, referindo-se às minhas pesquisas. Em nenhum momento mostrou-se disposto a participar. Com o livro pronto, em meados deste ano mandei um exemplar, por meio de um portador, amigo dele, a Teresópolis, onde ele tem passado a maior parte do tempo. Não nos falamos. Soube que ele se queixou, mas não tenho detalhes. Portal dos Jornalistas – Quanto tempo você dedicou a esse trabalho? Nuzzi – O projeto nasceu há dez anos, quando Geraldo completou 70 anos. Pensei que um artista como ele poderia ser esquecido com o passar do tempo. Principalmente, que sua obra não fosse lembrada. Como disse algumas vezes, acredito que a obra de Vandré, de alguma maneira, ficou ofuscada pelas histórias e lendas em torno de seu nome. As pessoas precisam ouvir mais as canções de Vandré, saber qual foi a sua relevância para a cultura e arte no Brasil. Disso nasceu o livro. Mas meu interesse começou há muito tempo. Exatamente em 1985, quando, ainda estudante, conheci o Geraldo pessoalmente. Desde então, passei a pesquisar e a guardar tudo o que se relacionasse a ele, sem pensar em escrever, apenas por interesse pessoal. Portal dos Jornalistas – Qual foi a maior dificuldade ao apurar essa biografia? E o que mais te surpreendeu? Nuzzi – A primeira dificuldade foi não poder contar com a ajuda do biografado. Certamente, isso ajudaria a conhecer melhor o personagem que ele criou nos anos 1960 e que, apesar de silenciado, ainda inspira respeito e admiração. Outro problema foi localizar informações: há muita coisa sobre Vandré de 1964 (quando ele lançou o seu primeiro LP) até 1968, ano de lançamento de Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando) e de sua participação marcante no Festival Internacional da Canção (FIC) da TV Globo. As informações escasseiam de 1969 a 1973, quando ele esteve fora do País. Tentei compensar esses empecilhos ouvindo o maior número de pessoas e pesquisando muito, para tentar situar Vandré em seu tempo. Foi como fazer uma reportagem, com mais personagens e sem tanta aflição de um fechamento. Conheci um artista lúcido, carismático, defensor enfático de suas convicções – o que rendeu algumas polêmicas – e dono de uma obra relativamente curta, mas de qualidade e profunda preocupação social e de amor por seu país e sua cultura. Autor de poucos discos, mas descobridor de músicos talentosos, que o acompanharam, como Heraldo do Monte, Theo de Barros, Airto Moreira, Hermeto Pascoal, Hilton Acioli, Bhering, Marconi, Geraldo Azevedo, Nelson Ângelo, Franklin da Flauta, Naná Vasconcelos. Gente que está aí até hoje. E compositor de importantes canções, como a já citada Caminhando, Disparada, Porta estandarte, Fica mal com Deus, Canção nordestina, Pequeno concerto que ficou canção, além de autor de uma bela trilha sonora para o filme Hora e vez de Augusto Matraga. Um artista a meu ver erroneamente identificado como “cantor de protesto” e que parece, hoje em dia, ser mais falado do que ouvido. Portal dos Jornalistas – Inicialmente você produziu por conta própria, só depois conseguiu apoio de uma editora. Como foi esse processo? Nuzzi – Entre o final do ano passado e o início deste ano, procurei uma editora (Scortecci) que fizesse a diagramação e a impressão. O meu orçamento só dava para 100 exemplares… E foi essa a tiragem. O livro saiu em abril, e passei a distribuí-lo a amigos, pessoas da música, jornalistas. Guardei dois para mim. Mas antes, claro, procurei várias editoras e tive todo o tipo de resposta. Desde aquela que concordava em publicar desde que a estrutura mudasse (e o texto fosse reescrito por um ghost writer) até as que explicitamente demonstraram preocupação com o fato de se tratar de uma biografia não autorizada. É importante lembrar que, quando isso começou, estávamos no auge da polêmica com o livro de Paulo Cesar de Araújo sobre Roberto Carlos, que acabou sendo recolhido – aliás, consegui comprar um exemplar antes que isso acontecesse (e acho o livro ótimo). O lançamento dos 100 exemplares já me contentaria. Mas teve muito mais repercussão do que poderia imaginar. Além disso, tivemos o julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da ação direta de inconstitucionalidade relacionada à publicação de biografias. O STF decidiu por unanimidade que não há necessidade de autorização prévia. Isso animou as editoras, e algumas fizeram contato comigo, até que acabei fechando com a Kuarup. SERVIÇO Geraldo Vandré – Uma canção interrompida será lançado em São Paulo na próxima 6ª.feira (11/12), na Livraria da Vila (rua Fradique Coutinho, 915 – Vila Madalena), às 19h30.