Por Luciana Gurgel

Há duas semanas, o presidente dos EUA, Joe Biden, fez um manifesto pela diversidade ao nomear a jornalista Karine Jean-Pierre como porta-voz.
Negra, imigrante (nasceu na Martinica), criada no bairro novaiorquino Queens e gay, ela se tornou uma das faces mais visíveis da maior potência do planeta, transmitindo as posições do governo nos briefings da Casa Branca assistidos no país e no mundo.
No entanto, o recado enviado por Biden não está sendo bem assimilado. O atentado em Buffalo, que custou 12 vidas, foi mais um da série de atos movidos por ódio racial, chaga que os EUA não conseguem curar. E que para muitos acadêmicos e ativistas agravou-se com a ajuda das redes sociais, solo fértil para teorias conspiratórias como a da grande substituição, que teria inspirado o autor da matança de sábado, Payton Gendron.
A ideia é que a imigração destruirá valores das sociedades brancas e exterminará a civilização ocidental.
A associação das redes com crimes motivados por teorias conspiratórias e ódio a minorias não acontece só nos EUA. Jake Davison, um britânico de 23 anos adepto do Incel, movimento de aversão a mulheres, matou cinco pessoas em agosto passado.
Dois meses depois, o somaliano Ali Harbi Ali, de 25 anos, assassinou o parlamentar britânico David Amess a facadas, alegando vingança contra políticos favoráveis a ataques aéreos na Síria.
O criminoso, agora condenado à prisão perpétua, foi apontado como exemplo do que a inteligência britânica chama de bedroom radicals, jovens aliciados no tempo em que ficaram trancados em seus quartos durante a pandemia.
A organização Center for Countering Digital Hate tem sido uma das mais fervorosas críticas da atuação das empresas de mídia digital no controle do discurso de ódio.
Imran Ahmed, diretor-geral da ONG, escreveu no The Guardian que a tragédia de Buffalo poderia não ter acontecido se o problema tivesse sido enfrentado depois do caso de Christchurch, na Nova Zelândia, em 2018.
Ahmed observou que o autor “usou a mesma cartilha digital que o terrorista de Christchurch: imagens ao vivo do ataque e um ‘manifesto’ citando a grande substituição e outras teorias supremacistas brancas”. E destacou que o americano mencionou o terrorista de Christchurch em seu manifesto.
Para Ahmed, estes não são ataques de lobos solitários, e sim de indivíduos conectados por meio de comunidades online, compartilhando ideias, táticas e conteúdo. Ele cobra ação de governos para regulamentar as plataformas, seguindo o exemplo do Reino Unido e da União Europeia.
Ainda que as redes tenham sua parcela de responsabilidade, que não é pequena, elas não estão sozinhas nisso.
Uma das entrevistadas na edição especial sobre DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) do MediaTalks, que circula no final de maio, é a diretora do Get The Trolls Out, programa do Media Diversity Institute do Reino Unido que monitora discurso de ódio racial e religioso em mídias sociais e no jornalismo tradicional em oito países.
Os males causados à sociedade pela chamada “mídia de opinião”, cujo principal exemplo é a americana Fox News, foram destacados pela Repórteres Sem Fronteiras no índice anual de liberdade de imprensa. Na mesma semana, o secretário-geral da ONU, António Guterres, criticou a mídia polarizada no discurso pelo Dia Mundial da LIberdade de Imprensa.
A Fox é uma das que permite o endosso de teorias como a da substituição, que faz parte da narrativa do controvertido âncora Tucker Carlson. Mas dela já se espera isso.
O problema é que tais narrativas aparecem também em veículos menos visados. Na semana em que o parlamentar britânico foi esfaqueado, um artigo de opinião no jornal conservador Daily Telegraph, que não é um tabloide irresponsável, tinha um título feito sob medida para alimentar preconceitos: “A União Europeia é um império falido que condenou a si próprio à irrelevância”.
Regulamentar plataformas pode ajudar, mas não vai fazer milagres − até porque a dark web continuará fora de controle. O jornalismo tradicional também tem que ser parte da solução. Ou pelo menos não ser parte do problema.
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