Por Luciana Gurgel
A pandemia do coronavírus foi recebida como um evento de consequências catastróficas para o jornalismo. Mas apesar de ela ter agravado problemas anteriores da indústria de mídia e criado outros, a necessidade de informações confiáveis fez crescer a confiança na imprensa − e a desconfiança nas redes sociais − como fonte de notícias.
O mesmo pode acontecer agora com outro evento de consequências catastróficas, só que para o mundo: a mudança climática.
Assim como o jornalismo de qualidade provou-se essencial na crise de saúde pública, ele tem a oportunidade de reafirmar seu valor para a sociedade em um ano em que os efeitos do aquecimento global se tornam mais dramáticos. E que uma conferência global, a COP26, pode mudar o rumo dos acontecimentos.
O papel da imprensa na pandemia foi o tema do World News Day em 2020. Este ano a iniciativa celebrou nesse 28 de setembro a importância de notícias confiáveis para a solução do que muitos acreditam ser o maior desafio já enfrentado pelo planeta.
O World News Day começou no Canadá, criado por David Walmsley, editor-chefe do jornal The Globe and Mail, e foi abraçado por entidades do setor.
Na mensagem publicada no dia da comemoração, ele disse que a mudança climática virou um “futebol político”, com um embate entre diferentes pontos de vista. E que, embora seja essa a realidade e todos tenham direito a uma opinião,”os fatos são sagrados e não podem ser distorcidos”.
Essa é a missão que se coloca diante da imprensa nos próximos meses. A COP26, que acontecerá em Glasgow em novembro, desafiará governos e corporações a se comprometerem com medidas capazes de reverter o aquecimento global − muitas caras, contrárias a interesses comerciais e com potencial de ferir de morte algumas indústrias, como a dos combustíveis fósseis.
Assegurar a confiabilidade dos fatos e um debate racional, neutralizando o efeito de pressões políticas e setoriais e de radicalismos fora da realidade, pode fazer a imprensa consolidar a confiança conquistada na pandemia.
A coalizão global Covering Climate Now, da qual o MediaTalks faz parte, tem se empenhado em motivar jornalistas e redações a enfrentarem o que chama de momento histórico com uma cobertura “robusta e perspicaz”.
No mais recente guideline sobre como cobrir a conferência, a organização lembra que não há uma maneira única de contar a história do clima. E reconhece que cada redação é diferente.
Mas faz um apelo para que veículos de todos os tamanhos coloquem a COP26 na pauta, examinando as questões locais e ouvindo especialistas que possam explicar ao público como a emergência ambiental afeta ou pode vir a afetar cada comunidade.
Uma das questões levantadas é o conflito entre países ricos e pobres, que segundo o guia da CCNow limitou avanços em todas as reuniões da ONU sobre o clima desde a Rio92.
A organização defende que a mídia incorpore o conceito de justiça climática, demonstrando que os efeitos do aquecimento do planeta afetam mais os desfavorecidos. E sugere enfatizar que, se os países pobres não tiverem recursos para escolher um futuro de energia verde em vez de marrom, os ricos também sofrerão com a incidência cada vez maior de incêndios florestais, ondas de calor e enchentes.
David Wamsley bateu na mesma tecla em sua mensagem no World News Day. “É do interesse de todos os países trabalharem juntos para reduzir as emissões e apoiar mudanças industriais radicais que ajudarão toda a raça humana”, afirmou o fundador do WND.
Não vai ser fácil. Líderes globais de países importantes e afetados por eventos climáticos extremos já ensaiam não participar da COP26.
Esta semana, o primeiro-ministro da Austrália Scott Morrison sinalizou que não planeja viajar a Glasgow. Ele deu uma esnobada na conferência, dizendo a um jornal australiano que já viajou demais ao exterior este ano e passou muito tempo em quarentena.
A noticia repercutiu imediatamente na mídia global − um bom exemplo da tal cobertura “robusta e perspicaz” sugerida pelo CCNow.
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