Thiago Amparo, professor de Direito na Fundação Getulio Vargas (FGV), publicou um artigo na Folha de S.Paulo no qual repudia coluna de Leandro Narloch, cujo título é Luxo e riqueza das ‘sinhás pretas’ precisam inspirar o movimento negro, que, segundo ele, relativiza a escravidão, utilizando como exemplo mulheres negras que conquistaram sua liberdade e enriqueceram. Por meio de nota, a Folha pronunciou-se sobre a polêmica. Narloch também comentou o caso, reiterando que o texto “não suaviza a escravidão”.

No artigo As sinhás pretas da Folha, escreveu Amparo: “Abro este jornal. Nele, um artigo sobre ‘negras prósperas no ápice da escravidão’. Eu pauso. Verifico a data do jornal: não é o século 19. O autor promete ‘complicar as narrativas de ativistas’; afirma que a ‘culpada é a época e seus valores diferentes dos nossos’; e que nos traria ‘maturidade e conciliação’ as ‘lindas histórias de vida das sinhás pretas’”.

O professor da FGV questionou: “Folha, por que ainda precisamos nos masturbar coletivamente com a relativização da dor preta?”, indicando também que, ao longo do texto de Narloch, foram usadas fotos da Máscara de Flandres, que à época era utilizada como instrumento de tortura.

“Narloch usa histórias individuais para mascarar a brutalidade do seu argumento: legitimar a escravidão ao relativizá-la”, declarou Amparo. “Imagino como se sentiriam as escravas diariamente estupradas lendo seu texto; ou os escravos doentes jogados ao mar: faltou-lhes capitalismo?”.

Narloch escreveu na coluna que “ativistas do movimento negro não deveriam desprezar as lindas histórias de vida das sinhás pretas. O costume de tratar negros somente na voz passiva (‘escravizados, humilhados, exterminados’) acaba por menosprezar o protagonismo deles na história do Brasil”.

Em resposta, Amparo explicou que “o problema não é fazer referência a ‘negras minas’ – que eventualmente enriqueceram – ou a outras figuras históricas, o problema é, de forma ao mesmo tempo risível e desonesta, utilizá-las para suavizar a brutalidade da escravidão”.

“O que está em jogo é se a pluralidade que este jornal preza inclui racismo”, conclui Amparo. “Jornais são documentos históricos: eu me reservo a dignidade derradeira de dizer com todas as letras que a coluna de Leandro Narloch é racista; que publicá-la faz do jornal conivente; e que em algum momento a corda do pluralismo esticou a tal ponto que nos enforcará”.

No mesmo tom, Matheus Moreira, repórter da Folha e autor do blog Vidas Negras Importam no jornal, também escreveu texto criticando a coluna de Narloch. Ele escreveu que, “ao sugerir que casos de mulheres negras ricas com escravos ‘certamente não eram raros’, o colunista deslegitima toda a história dos povos negros brasileiros e abre margem, por exemplo, para a supressão de políticas afirmativas sob a luz de uma suposta democracia racial”.

O repórter da Folha ouviu professores, estudiosos e especialistas sobre o assunto, e adicionou a opinião deles no texto. Ynaê Lopes dos Santos, doutora em história pela USP e especialista em história da escravidão nas Américas, por exemplo, acredita que Narloch “pega as exceções, as retira do contexto e reforça a estrutura racista. Isso está não só no que ele diz, mas na forma como diz. O problema é ele tirar as exceções do seu lugar de exceções”.

“Sempre haverá entre nós, negros ou brancos, aqueles que discordam, que agem de má fé ou que nem sequer se importam o bastante para pensar a respeito de qualquer coisa”, termina Moreira. “Na Folha, já houve avanços na discussão sobre a complexidade dos movimentos negros ao longo da história. Faria bem a Narloch ler o jornal para o qual escreve”.

O Portal dos Jornalistas entrou em contato com Leandro Narloch para ouvir a resposta dele às críticas. Ele explicou que o texto “não suaviza a escravidão”: “Fiquei muito triste com a acusação de racismo e com a interpretação que fizeram. O texto discorda de algumas ideias do movimento negro, mas não suaviza a escravidão (que é obviamente discriminatória e contra a meritocracia). E está muito longe de defender aberrações como a submissão ou a inferioridade de alguma etnia”.

Narloch publicou na manhã desta quarta-feira (6/10) uma resposta ao ocorrido, na coluna Distorções cognitivas e seus monstros imaginários

Também ouvimos Sérgio Dávila, diretor de Redação da Folha. Em nota, ele informou que o “time de colunismo está sob reavaliação constante”. Confira a íntegra:

A Folha tem um entendimento bastante abrangente sobre liberdade de expressão, reservando-se, como explicado no Manual, o direito de vetar textos que incorram em calúnia, injúria e difamação ou que possa dar margem a processo judicial (página 87).

O pluralismo é pilar do projeto do jornal, como defendido e explicado no Manual, por exemplo na página 22 (“Praticar o pluralismo não significa abrir mão da apuração factual, mas entender que, muitas vezes, existe uma dimensão sujeita a controvérsias, a ser contemplada em termos de dosagem, perspectiva e proporção”) e na página 87 (“A preocupação da Folha com o pluralismo deve se manifestar também na escolha de textos de opinião.”)

Além disso, a Folha acredita na maturidade da sociedade brasileira e do seu leitorado para lidar com o amplo espectro das opiniões que circulam no país e nas nossas páginas. A melhor resposta para um ponto de vista que repudiamos é a publicação do contraditório na arena pública.

É dentro dessa perspectiva que o jornal faz a escolha de seu time de 202 colunistas e blogueiros, que, como sempre aconteceu, está sendo constantemente reavaliado em relação ao que agrega de qualidade em relação ao que é oferecido ao leitor da Folha.

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