Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Diante das atrocidades na guerra da Ucrânia, poucos se atrevem a ficar ao lado da Rússia. Mas eles existem.

Um é Tucker Carlson, uma das mais controvertidas figuras do jornalismo americano.

Dono de um programa no horário nobre da Fox News e aliado de Donald Trump, ele virou frequentador das listas de maus momentos da imprensa sobretudo por seu negacionismo da Covid.

Carlson não poderia perder a oportunidade de se posicionar sobre a guerra na Ucrânia. Como se poderia esperar, remando contra a corrente.

O âncora virou notícia ao defender o presidente da Rússia dias antes da invasão, pedindo que os americanos se perguntassem: “Por que eu odeio Putin?”.

A resposta veio dramática na segunda-feira (14/3), quando um de seus colegas de Fox morreu e outro ficou ferido em um ataque perpetrado por forças russas. Uma produtora russa de 24 anos, que fazia parte da equipe, também morreu.

Como Tucker Carlson virou incômodo para a Fox News defendendo o regime cujas tropas matam jornalistas − incluindo dela própria
Pierre Zakrzewski e Benjamin Hall

A morte do cinegrafista Pierre Zakrzewski e os ferimentos do correspondente Benjamin Hall repetiram um padrão desta guerra: ataques diretos a jornalistas, mesmo identificados, em alguns casos gritando para alertar os agressores.

O governo ucraniano confirmou que o carro da equipe da Fox foi alvo de soldados russos. Dois dias antes, o mesmo aconteceu com o veículo em que viajava o documentarista americano Brent Renaud, que também não resistiu.

Como Tucker Carlson virou incômodo para a Fox News defendendo o regime cujas tropas matam jornalistas − incluindo dela própria
Brent Renaud

Outros que sofreram atentados parecidos escaparam, como um correspondente suíço e uma equipe da Sky News emboscada após passar por um posto de controle.

Jornalista morrer cobrindo conflitos não é novidade. Na Ucrânia, no entanto, os ataques direcionados estão alarmando as organizações de defesa da liberdade de imprensa como Repórteres Sem Fronteiras e Federação Internacional de Jornalistas, que afirmam não terem visto coisa assim em outras guerras.

Nesse contexto, fica difícil defender um Vladimir Putin que baniu as redes sociais, baixou uma lei punindo com penas de até 15 anos quem veicular o que ele considera fake news sobre a guerra (ou melhor, “operação especial”) na Ucrânia, e que cujos comandados abrem fogo contra a imprensa.

Suzanne Scott, CEO da Fox, lamentou no Twitter a perda do cinegrafista e o estado grave do correspondente.

A rede tem agora uma questão espinhosa a resolver. Dá para manter na bancada um apresentador defendendo o chefe de tropas que disparam contra jornalistas, incluindo da própria emissora?

Não é uma decisão fácil. A Fox News é alinhada à extrema direita americana. As ideias de Carlson agradam ao seu público.

Assim como o Spotify não cancelou o podcast de Joe Rogan mesmo com o boicote do cantor Neil Young, a Fox pode seguir o mesmo caminho para não perder uma estrela que traz audiência.

Por outro lado, há um problema de reputação. Desde o atentado à equipe de reportagem, Tucker Carlson virou objeto de recriminação nas redes sociais por sua defesa de Vladimir Putin, em clara associação de sua posição pessoal com a empresa que representa.

A encruzilhada em que a emissora se encontra é: se permitir que o âncora continue defendendo Putin no ar, será criticada; se o tirar do ar, será igualmente criticada por ter dado palanque a ele por tanto tempo.

Situação parecida vivem as marcas globais. Algumas saíram da Rússia e podem pagar caro, com perda de ativos e de patentes. Outras são reprovadas por ficarem, mesmo sob o argumento de manter empregos e fornecimento local.

No final, com o tempo, todas podem se recuperar. Mas a Rússia dificilmente conseguirá sair deste conflito com sua reputação preservada.

Uma pesquisa da consultoria Brand Finance, responsável pelo Soft Power Index, revelou que boa parte do mundo culpa o país pela guerra.

David Haigh, CEO da consultoria, acha que, com seu soft power destruído, será quase impossível para a Rússia atrair parceiros internacionais em negócios ou na diplomacia.

Mesmo que ganhe a guerra, a Rússia deve perder com a guerra. E quem estiver abraçado com ela pode perder junto.


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